Luiz Gonzaga Belluzzo

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Economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

Opinião

Quem sugere o fechamento do STF comete crime contra a Constituição

Nessa barafunda institucional, quem vai proteger os direitos dos cidadãos e dizer a lei?

Ato em frente ao prédio do Supremo, em 2016 (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
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“Solidariedade por ser um símbolo da injustiça que se pratica contra acusados e condenados negros e pobres do país, presos sem fundamento, em locais degradantes, sem culpa definitivamente reconhecida.”
(Carta dos Procuradores de Justiça ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva)

Sábado de Aleluia. Interrompi a releitura de Robert Musil, O Homem Sem Qualidades, para assistir no GloboNews ao debate entre juristas e advogados. Em cartaz, a tormenta que se abateu sobre o Supremo Tribunal Federal. Todos demonstraram qualidades. O professor Oscar Vilhena e o jovem advogado Daniel Bialski fizeram a defesa da instituição Supremo, sem perdoar as inconveniências do exibicionismo midiático de muitos juízes.

Desnecessário dizer que o trepidante episódio da censura aos sites Antagonista e Crusoé foi tratado com o habitual descuido e parcialidade pelos grandes da mídia, aliados à má-fé e ignorância dos liliputianos navegantes das redes antissociais. Desde o início da confusão, o que flutuava na superfície não revelava a gosma que corre nos subterrâneos. Tem sido sistemático o vazamento de gosma para as caçambas dos livres-pensadores da intolerância brasileira, empenhados em destruir o Supremo Tribunal Federal. Os cidadãos brasileiros podem e devem criticar e divergir das decisões, mas a malta que sugere o fechamento do Supremo comete crime contra a Constituição.

A censura imposta aos sites conservadores foi um erro. O erro, no entanto, pode ter encaminhado a sujeira para o esgoto apropriado. O então juiz Sérgio Moro e o parquet de Curitiba não se cansaram de afirmar e reafirmar publicamente seu empenho em entabular relações promíscuas com a mídia, a grande, a pequena e a desprezível, no propósito de convocar a “opinião pública” à cruzada anticorrupção. Não revelo um segredo: as redes sociais estão inundadas de manifestações dos procuradores.

Os justiceiros de Curitiba agem conforme o ensinamento atribuído equivocadamente a Niccolò Machiavelli: “Os fins justificam os meios”. Estamos diante da “privatização” e particularização das funções públicas. No Brasil de hoje, a maior ameaça ao celebrado Estado Democrático de Direito abriga-se nas burocracias de Estado encarregadas de vigiar e punir.

O roteiro da autodestruição das instituições tem sido escrito e reescrito, com esmero, por agentes do poder, cujo dever funcional é defender as garantias constitucionais contra os arroubos, sim, populistas, das maiorias eventuais e evanescentes. A invasão insidiosa do privatismo nas carreiras de Estado transforma essas burocracias, primeiro, em instrumentos do poder descontrolado e, depois, em poderes fora de controle.

Às vésperas da promulgação da Constituição de 1988, em reunião com o saudoso Ulysses Guimarães, levantei objeções ao poder incondicional e incondicionado concedido ao Ministério Público. Temores do filho de um juiz, magistrado impecável em sua modéstia e devoção à função pública. Repito: pública.

A privatização do Estado não se circunscreve à corrupção promovida pela grande empresa nos gabinetes dos políticos, ao empreendedorismo das milícias formadas por agentes da segurança pública e por outros fardados e armados, ou à venda de parques, jardins, espaços públicos criados para a livre circulação e recreação dos “cidadões”, como disse um deslustrado do Ministério da Educação.

As burocracias privatizadas justificam suas ações na virtude autoalegada. É atalho maroto para subverter os deveres da fiscalização e aplicação da lei e transformá-los num realejo de celebrações narcisistas. Nas manifestações dos moralistas transcendentais, vejo a autoconvocação dos soi-disant iluminados para substituir a onisciência divina e, nessa condição, desferir sentenças irrecorríveis, como as desferidas pelos juízes do Juízo Final, em contraposição aos humanos, os pobres-diabos que se debatem para sobreviver aos ditames da falibilidade e da incerteza.

O quadro agrava-se quando relações promíscuas entre as autoridades e as massas, intermediadas pela propaganda manipuladora, colocam os cidadãos diante da pior das incertezas: a absoluta imprecisão dos limites da legalidade.

As garantias da publicidade do procedimento legal são, na verdade, uma defesa do cidadão acusado – e ainda inocente – contra os arcanos do poder. Pois estas conquistas da modernidade, das quais não se pode abrir mão, têm sido pisoteadas por quem deveria defendê-las.

Ocultam da sociedade, em cujo nome dizem agir, o empenho para tecer a corda em que enforcarão as garantias individuais. O Estado transforma-se num aparato administrativo desgovernado e despótico, numa caricatura de si mesmo, num butim a ser dilapidado por ocupantes eventuais.

Nessa barafunda institucional, quem vai proteger os direitos dos cidadãos e dizer a lei?

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