Amarílis Costa

Advogada, doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito USP, mestra em Ciências Humanas, pesquisadora do GEPPIS-EACH-USP, diretora executiva da Rede Liberdade.

Opinião

Quem paga a conta da crise climática na América Latina?

Enquanto as vozes das comunidades forem ignoradas, a justiça climática seguirá sendo apenas uma promessa distante

Quem paga a conta da crise climática na América Latina?
Quem paga a conta da crise climática na América Latina?
Enchentes no Rio Grande do Sul. Foto: Reprodução
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Os eventos climáticos extremos não atingem a todos da mesma forma. As enchentes que matam jovens na periferia de São Paulo são a face mais cruel do racismo ambiental. Quem tem menos acesso a infraestrutura e políticas públicas é quem mais sofre. O Estado, ausente na prevenção, aparece apenas na contagem dos mortos. Enquanto a COP30 se aproxima com promessas de um debate global sobre justiça climática, a realidade mostra que essa justiça continua sendo um privilégio de poucos.

Na América Latina, a crise ambiental tem cor, gênero e classe social. O recente embate sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial do Amapá escancara como o discurso do desenvolvimento sustentável, muitas vezes, serve apenas como cortina de fumaça para a devastação. O governo oscila entre ceder à pressão do capital e manter uma aparência de compromisso ambiental. Enquanto isso, comunidades tradicionais — lideradas por mulheres negras, indígenas e quilombolas — lutam para que suas vozes sejam ouvidas.

Angela Davis nos lembra que a luta por justiça social não se faz isoladamente: racismo, capitalismo e patriarcado andam juntos. No contexto ambiental, essa aliança se manifesta na exclusão sistemática das mulheres das decisões políticas e na violência que enfrentam ao defender seus territórios. Marina Silva, símbolo de resistência, continua sendo alvo de ataques de um sistema que não tolera corpos femininos e racializados no poder.

A violência política de gênero se reflete na perseguição e no silenciamento de lideranças femininas. O poder institucional, hegemonicamente masculino, desconsidera suas contribuições e as exclui dos debates sobre sustentabilidade. Essa marginalização compromete a efetividade das políticas públicas ambientais e perpetua um ciclo de exclusão.

A COP30 pode ser um divisor de águas — mas apenas se houver espaço para aqueles que historicamente resistem à exploração. Sem a inclusão de povos tradicionais e lideranças femininas, a justiça climática seguirá sendo apenas um conceito vazio. Sustentabilidade sem justiça social é só um novo nome para o velho extrativismo.

O desenvolvimento sustentável precisa romper com a lógica predatória que domina a política ambiental. A transição energética deve ser conduzida com responsabilidade social, equidade de gênero e respeito ambiental. Sem isso, continuaremos apenas legitimando um modelo que destrói o presente e compromete o futuro.

O colapso climático é uma realidade, mas quem sobrevive ainda é uma escolha política. É hora de construir uma grande coalizão climática, capaz de pautar a litigância estratégica dentro desse viés. O futuro da América Latina não pode ser decidido por aqueles que historicamente lucram com a destruição. Enquanto as vozes das comunidades forem ignoradas, a justiça climática seguirá sendo apenas uma promessa distante.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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