Opinião

Quem já conseguiu argumentar racionalmente com um bolsonarista?

Por que a extrema-direita não é classificada como doença mental pela Organização Mundial da Saúde?

Manifestação bolsonarista em Brasília em 12 de dezembro. Foto: Ton Molina/AFP
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“O artigo foi classificado como ‘tendencioso e injusto’ na embaixada brasileira em Roma, localizada no belo e majestoso Palazzo Pamphilj, na Piazza Navona. De lá foi emitido um ofício confidencial para o ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha, em 8 de abril de 1965. Lê-se no documento que Bruno Zevi teria distorcido os fatos sobre o cancelamento da exposição: as explicações por ele apresentadas ‘nada têm a ver com as que motivaram a suspensão daquela mostra’. Segundo os diplomatas do regime militar brasileiro, essa não seria uma postura inédita do crítico italiano, o qual, em outros textos publicados internacionalmente nos dez anos anteriores, já teria sido responsável por difamar o Brasil. A correspondência governamental prosseguia com uma descrição do crítico italiano como ‘um líder da extrema esquerda em todas as manifestações do setor cultural’, com vínculos com um suposto centro de estudos econômicos e culturais da China, o que faria dele ‘o elemento mais ativo de penetração comunista na Faculdade de Arquitetura de Roma.’ Oportuno mencionar que, naquele período na Itália, Bruno Zevi recebia duras críticas por sua postura aparentemente burguesa e individualista, pois, ao contrário de outros intelectuais da arquitetura, como Manfredo Tafuri, ele não apoiava iniciativas historiográficas francamente alicerçadas na ideologia comunista. Mesmo assim, na correspondência da embaixada brasileira, Zevi foi descrito como ‘amigo inseparável da sra. Lina Bo Bardi e teria se prestado aos ‘propósitos maliciosos’ da arquiteta. Ela foi retratada como a organizadora da exposição que, durante sua estada em Roma para a montagem, teria ‘maliciosa e pormenorizadamente’ desvirtuado informações – sim o termo ‘malicioso’ foi empregado duas vezes no mesmo parágrafo da carta. Uma frase do documento deixa explícito o modo como a ditadura militar via Lina: ‘Suas tendências de esquerda a qualificam como um natural adversário do nosso atual regime.” – Francesco Perrotta-Bosch.

Em “Lina – uma biografia” (editora Todavia), Francesco Perrotta-Bosch relata o episódio de cancelamento da exposição de Lina Bo Bardi, em Roma, por parte da embaixada do Brasil. Os hilariantes comentários acima são dos diplomatas brasileiros, os quais foram remetidos, despudorada e oficialmente, a Brasília. Neles, os funcionários públicos (no caso, mais bem privados, inclusive de racionalidade) comentavam artigo do professor de Arquitetura Bruno Zevi, que deixou clara a motivação ideológica do referido cancelamento.

O relato dos ‘servidores’ nacionais, na verdade evidencia que, se o dinheiro não compra tudo, ele, quase infalivelmente, tem maior resiliência do que a dignidade, no curto e no médio prazos, pelo menos.

Para evitar tais riscos, pois todos sabemos que a “carne vale”, expressão italiana de deu origem ao nosso celebérrimo “carnaval”, em muito boa hora a Deputada Daiana Santos protocolou projeto de lei para instituir, em âmbito nacional, o orçamento participativo.

A iniciativa é tão relevante que está inserida no arquétipo cultural mais importante para as sociedades ocidentais, os Evangelhos. Com efeito, o Novo Testamento relata terem sido palavras do próprio Cristo: “Onde estiver teu tesouro, aí estará teu coração.”

Aliás, que felicidade o Brasil ser o país do carnaval! Da participação espontânea, em que milhares se organizam e se apresentam no maior show da Terra, como bem o qualificou a belíssima letra de Chico Buarque!

Tudo fica melhor nessa época: as pessoas estão mais soltas, menos rígidas; corpos e mentes parecem sair do inverno/inferno a que a extrema-direita nos relegara.

Parodiando, mais uma vez, Chico Buarque, a tristeza vai sendo desinventada, para o bem da felicidade da nação.

Indago, de passagem, por que a extrema-direita não é classificada como doença mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS)? Não é disso que se trata? Quem já conseguiu argumentar racionalmente com um bolsonarista, um fascista ou um nazista?

A impossibilidade de dialogar decorre de que não há racionalidade no monólogo em que estão inseridos entre eles e suas crenças, todas elas não guardando compromisso com a realidade.

Isso pode ser ampliado para a oligarquia nacional e internacional.

Quem não se lembra do complexo de Livrarias Cultura no Conjunto Nacional, a esquina mais nobre da megalópole, no cruzamento de Paulista com Augusta?

Depois de seis anos de golpe, o que sobrou delas? Nada.

Talvez os donos não tenham apoiado o golpe, mas se manifestaram contra ele? Não foi no interior da livraria que petistas foram destratados? Os proprietários fizeram algum desagravo público àquelas agressões?

Até na cultura, literalmente, a política era um engano; o modelo de sociedade, um engodo; a compreensão da realidade, uma miragem.

Hora de voltar a entender a concepção de sociedade dos indígenas, que nunca nos colocaram à beira do abismo no qual a humanidade se encontra, tanto pelo aquecimento global quanto pela iminência da guerra nuclear.

A propósito, o interior do Rio Grande do Sul acaba de registrar temperatura no solo superior a 50 graus centígrados.

Mas seguimos sedentários, vivendo em nossos mundinhos sufocantes, em nossas cidades abarrotadas, só viajando nos poucos dias permitidos pelos patrões. Pior, achando que somos superiores aos índios, que se exercitam, moram em meios muito mais saudáveis (sempre que os brancos não os destruam ou poluam) e viajam todo o tempo, no próprio território ou no alheio, até além fronteiras (mais uma criação dos brancos).

Neste carnaval, que possamos ser índios, índias e indes, não nos detendo na quarta-feira e guardando a memória da liberdade, para que ela não pereça nunca mais um nossas vidas.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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