André Carvalhal

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Escritor e especialista em design para sustentabilidade.

Opinião

Que o coronavírus desperte a humanidade para as arapucas do capitalismo

Nossa sociedade está doente ao ponto de precisar de seguidas catástrofes para despertar. Quantos mais precisarão morrer?

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Junto com o coronavírus, uma onda gigante de memes, fake news, teorias da conspiração, medo, pânico. Para mim, isso tem um poder maior de revelar o verdadeiro grande mal que assola a humanidade e pode acabar com a nossa espécie.

Distopias acerca do futuro previam catástrofes apocalípticas que aniquilariam a humanidade: a queda de um asteroide ou uma epidemia de contágio global. O que ninguém imaginava é que a nossa maior ameaça seria familiar e estivesse há bastante tempo entre nós. Trata-se de um outro vírus: o capitalismo.

Sim, ele tem uma grande importância na história da humanidade. Viabilizou a entrada de muitos nessa grande onda de ganhar o próprio sustento e sobreviver. Mas acabamos nos atrapalhando com isso. Hoje ele se revela um sistema arapuca que se beneficia com a exploração de pessoas e recursos naturais – o que traz diversos efeitos colaterais.

Em pouco tempo, o coronavírus causou um terremoto nos mercados, derrubou a bolsa, fechou fábricas na China, impacta economia global. Há quem acredite que ele pode levar à queda do regime comunista chinês, como a catástrofe de Chernobyl contribuiu com o fim o comunismo soviético.

Está ficando cada vez mais claro compreender os efeitos colaterais do sistema capitalista que ajudamos a alimentar todos os dias: ondas de calor, queimadas naturais fora de controle, chuvas, secas, depressão, isolamento, suicídios… Além de diversas outras manifestações dessa doença instaurada há séculos e que temos tratado apenas com remédios paliativos.

Como disse Harirchi, vice-ministro da Saúde do Irã: “Este é um vírus democrático, que não faz diferença entre pobres ou ricos, ou entre políticos e cidadãos comuns”. Ele comprovou sua tese após ir a público dizer que quarentenas não seriam necessárias, e no dia seguinte anunciar que contraiu a doença.

Ele estava falando sobre o coronavírus. Mas as palavras podem ser usadas para o capitalismo. Todos nós sofremos as consequências – uns mais que outros, claro – mas ninguém poderá fugir, nem aqueles que são responsáveis por esse mal, e que se sentem seguros atrás de suas muralhas de dinheiro. Elas não resistem a força da natureza – seja um tsunami ou um vírus.

Imagens de satélite da Nasa comprovaram uma redução significativa de dióxido de nitrogênio da China na semana passada, resultado do fechamento de diversas fábricas. Da mesma forma, os melhores índices atmosféricos da história do planeta estão relacionados a momentos de crise e recessão financeira, que ocasionaram queda de produção. Percebe a arapuca? Quanto mais “próspera” a economia, pior para o meio ambiente.

Nossa sociedade está doente ao ponto de precisar de seguidas catástrofes para despertar. Quantos mais precisarão morrer? Lendo o noticiário, a sensação é de que devemos nos preocupar (ou lamentar) mais com as fábricas fechadas do que com as vidas perdidas. O quão cego estamos?

Do ponto de vista que mais me interessa, o holístico, o vírus ganha força em corpos fragilizados pelo sistema imunológico. Sistema esse que vem sendo fragilizado por uma vida inteira de frustrações, hábitos tóxicos e falta de consciência na alimentação – além de muita desconexão entre corpo e alma.

Torço para que esta ameaça global nos desperte. Para relembrarmos que somos terra consciente, que fazemos parte do mundo natural, da mesma forma como tudo aquilo que exploramos (entre animais e recursos que chamamos de matéria prima).

Que nos desperte para a relação sistêmica entre todas as coisas. Há quem acredite que o alto índice de antibióticos usados em rações para gado seja um dos responsáveis pela adaptação e resistência a antibióticos pela parte de humanos que se alimentam de carne. Esse é apenas um dos exemplos no qual manipulamos a vida em prol do capital, nos colocando na condição de próxima vitima.

Que ao invés de isolar e nos afastar, o momento nos desperte para a noção de que somente em rede podemos resolver problemas sistêmicos. É preciso urgente uma reorganização econômica mundial que não seja mais baseada na exploração do meio ambiente e das pessoas. Ou sistemas arapucas que se voltam contra nós.

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