Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Que mundo era esse?

A gente tirava o palmito direto da lata, com a mão, e comia. Hoje, só louco faria isso

Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil
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Quando vejo a Paulinha fervendo os palmitos antes de fazer qualquer coisa com eles, depois lavando em água gelada durante vários minutos, eu me lembro dos anos 1960.

Minha mãe, num momento de dó dos filhos, abria uma lata de palmito e dava um para cada filho, cinco. A gente tirava o palmito direto da lata, com a mão, e comia. Era a coisa mais deliciosa do mundo.

A lata não tinha o SIF do Ministério da Agricultura, muito menos data de validade. Comemos palmito assim durante toda a infância, até a juventude. Nunca soube que alguém morreu de palmito.

Hoje, só louco pega palmito do vidro e come direto, sem antes ferver e depois passar na água gelada.

Ovo! O medo da salmonela hoje é assustador. Aqui em São Paulo, está difícil encontrar um restaurante que ainda serve ovos Benedict. Uma mocinha me informou que está proibido, porque o ovo não está bem cozido.

O meu pai batia o ovo na pia, quebrava a casca e jogava direto no liquidificador, onde uma cerveja Caracu meio espumosa já o esperava. E era assim que, segundo ele, garantia sua vitalidade. Não tenho notícias também de que alguém nesse mundo morreu de Caracu. O meu pai já nos deixou, não está mais aqui pra contar a história, mas posso garantir que ele não morreu porque tomou Caracu com ovo cru.

Não havia a palavra Alzheimer. A pessoa ficava caduca. Na minha rua, mesmo, tinha uma senhora – dona Anita – que todos diziam que não falava coisa com coisa. Ora, era Alzheimer e ela era conhecida como velha caduca.

Seu Moacir, um negro alto, muito magro, que vivia de óculos escuros, tinha a boca torta. Minha mãe rezava uma ladainha toda vez que os filhos entravam no banho.

Não pisa no frio porque você vai ficar igual ao Seu Moacir. Pobre Moacir, um cara tão divertido, mas que na minha casa virou uma espécie de perigo de morte. Ou, no mínimo, boca torta.

Se eu puser pra fora todo o Benzetacil que me foi injetado, eu encherei esse rio Tietê em minutos. Tomava injeção toda semana. Até hoje não sei o porquê, mas aquele cheiro de éter da farmácia do Hormínio nunca saiu do meu nariz.

Tomar injeção era também castigo. Um colega meu do Marista dizia que se ele não passasse em matemática, o pai dele ia levá-lo a uma farmácia pra tomar injeção. Injeção de quê? Será que as farmácias tinham injeção de placebo pra quem levasse bomba em matemática?

Pensando bem, antigamente era um horror. Manga e leite não podiam ficar perto nem dentro da geladeira. A ideia era de que se alguém comesse manga e tomasse leite, cairia duro na hora. Aquilo era veneno mais forte que estriquinina.

Tem mais coisas que eram proibidas. Nadar depois do almoço, tampouco fazer a barba depois de uma feijoada. Era derrame cerebral na hora.

Que mundo era esse em que não tinha cinto de segurança, não existia protetor solar, cachorro comia de tudo e o cabelo, a gente lavava com xampu de ovo.

Não tinha senha! Imagine! Como era possível viver sem senha?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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