Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Quando tínhamos opinião

O sonho de um jornal livre e independente não durou muito

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Enquanto os astronautas Eugene Cernan e Harrison Smitt, dentro da Apollo 17, preparavam-se para voltar à Terra, pousando no Oceano Pacífico, depois de uma das mais longas missões lunares, na Cordilheira dos Andes a situação era outra.

Sobreviventes de um acidente aéreo de um time de rugby, perdidos na neve, não viram outra maneira que comer carne humana, os restos mortais de seus companheiros de viagem e equipe.

Richard Nixon estava praticamente reeleito quando os terroristas do Setembro Negro invadiram a hospedagem onde estava a delegação de Israel e fuzilaram onze pessoas, manchando de sangue os Jogos Olímpicos de Munique.

Estávamos em 1972.

No Instituto Médico Legal do Rio, camburões chegaram com os corpos de Fernando Augusto Fonseca, Getúlio Cabral, José Silton Ribeiro e José Bartolomeu Rodrigues de Souza, todos militantes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR. Seus corpos vestiam roupas maltrapilhas e tinham marcas visíveis de tortura: queimaduras, roxos, perfurações.

No dia 6 de novembro, uma segunda-feira, acordei cedo e passei na banca da Savassi antes de pegar o trólebus para o Bairro de Santo Antônio, onde ficava a Faculdade de Filosofia da UFMG, eu calouro do curso de Jornalismo.

Levava dentro da pasta o primeiro número do jornal Opinião, que há meses esperava, para mostrar para os meus colegas de curso, de copo e de cruz.

O meu sonho de ser jornalista um dia estava ali naquelas vinte e quatro páginas de um jornal formato tabloide, diferente de tudo que tinha por aí.

Fiquei encantado.

Na capa, Richard Nixon. O jornalista australiano Wilfred Burchett, escreveu a matéria principal do jornal, e nos explicou porque o presidente americano adiou a paz no Vietnã.

As chamadas de capa:

Allende se esconde atrás dos fuzis
Paulo Francis ouvindo o homem da CIA
Pesquisa: a vida sexual na França
Eleições americanas e corrupção
Hermeto toca violão e porco

No expediente, os colaboradores formavam um time de bambas: Antônio Callado, Millôr Fernandes, Paulo Francis, Hélio Jaguaribe, Celso Furtado, Oscar Niemeyer, Otto Maria Carpeaux, Chico Buarque de Hollanda, Paul Singer, Chico de Oliveira, Fernando Henrique Cardoso, Aloisio Biondi.

Na carta ao leitor, Fernando Gasparian, o publisher, dizia que Opinião estava nascendo para viver, pelo menos, 100 anos.

O jornal trazia matérias traduzidas do Washington Post, The Guardian, The New York Review of Books, New Statesman, além de quatro páginas com a edição brasileira do Le Monde.

Comprei o número 2, o número 3, o número 4… enfim, nunca parei de comprar o Opinião, nem mesmo quando fui-me embora do Brasil. Toda semana ia até a Livraria Joie de Lire, no coração do Quartier Latin, buscar o meu exemplar.

O sonho de um jornal livre e independente não durou muito. A censura chegou violenta e o jornal foi obrigado a fazer dois números por semana, para que um fosse liberado pelos militares.

Espaços pretos tomaram conta de suas páginas para denunciar que ali havia uma matéria censurada. Um horror.

Opinião não durou 100 anos, nem mesmo cinco. Morreu assassinado pela ditadura no dia 8 de abril de 1977. A última capa trazia o rosto de Ernesto Geisel e a manchete: o AI-5, de novo.

De tão apaixonado pelo jornal, minha tese no Institut Français de Presse foi: Opinião, la censure de presse au Brésil. Depois, só me restou encadernar a coleção e colocar na estante. De tempos em tempos eu folheio um número, outro, mais um. Ou escrevo uma crônica.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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