Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Quando os amigos começam a morrer

‘Não gosto da morte, como disse um dia Veríssimo: sou contra!’, escreve Alberto Villas

Foto: iStock Foto: iStock
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A primeira pessoa que vi morta foi Osvaldo. Ele foi assassinado misteriosamente num pequeno hotel no centro de Belo Horizonte. Misteriosamente porque não levaram nada dele. Alguns cruzeiros na carteira, um lenço de pano xadrez e um relógio Mido continuavam nos bolsos e no pulso quando encontraram seu corpo caído no corredor.

Osvaldo morto nunca saiu da minha cabeça. Na noite antes do crime, ele me prometeu levar, na manhã seguinte, um casal de pombos japoneses que compraria no Mercado Central. Contei a ele que havia visto aquele casal de pombos brancos numa banca do mercado, mas não tinha dinheiro para comprar. Foi então que ele me prometeu e eu acordei esperando os pombos que nunca chegaram.

Não gosto da morte, como disse um dia Veríssimo: sou contra!

Morreu meu avô, minha avó, morreram meus pais, um sobrinho, uma sobrinha, meu sogro, um cunhado, uma cunhada, as pessoas foram morrendo espaçadamente e a cada morte, uma dor.

Morreram todas as minhas tias, todos os meus tios, alguns primos mais velhos, vizinhos, parentes de longe, alguns nem conhecia.

Aí começaram a morrer os amigos. O primeiro foi o José Carlos Assunção Cecílio, o JCA, como chamávamos. Não tive coragem de ver o seu corpo, atingido por uma bala perdida.

Não vou enumerar todos aqui porque a altura dos acontecimentos, já são tantos que eu até me embaraço. Ontem foi a Déa.

Déa Januzzi, conheço desde 1971, quando coloquei os pés na Faculdade de Filosofia. Não existe turma como aquela de 74 da UFMG. Apesar de ter fugido do país e não ter me formado com eles, sempre fui tratado como um paxá por todos. Sempre que pude participei das festas que fazem todos os dezembros, desde 1974.

Déa fazia parte dessa turma e morreu sem que eu imaginasse Déa morta um dia, tamanho era seu vigor, sua alegria, seu entusiasmo pela vida. Dona da coluna Coração de Mãe no jornal Estado de Minas, o dela não tinha tamanho.

Morria de inveja do nome que deu a seu blog – Novos Velhos – causa que também defendeu de peito aberto. Nos últimos tempos, conversávamos por telefone, combinávamos matérias e a última que fez para mim foi uma reportagem sobre desejos que não envelhecem.

O seu texto era refinado: Não é mais fast-food. Nem self service. O sexo depois dos 60 anos exige requinte, mesa posta e, se preciso, velas para iluminar o crepúsculo que tinge o céu de vermelho avisa que a noite está chegando, escreveu ela na abertura.

Apesar dos nossos papos serem esparsos e quase sempre via iPhone, vou sentir saudade. Nós fazíamos parte dos novos velhos e agora estou aqui triste, quieto no meu canto, mudo, olhando para esse telefone, também mudo.

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