Opinião

Qual a possibilidade de encontrar algo onde se sabe que não há?

Por outro lado, vemos uma sociedade cada vez mais organizada, principalmente as classes mais atingidas pela pandemia

Ato pela Democracia no Largo da Batata em São Paulo. Foto: Guilherme Gandolfi Ato pela Democracia no Largo da Batata em São Paulo. Foto: Guilherme Gandolfi
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“A desigualdade é a raiz dos males sociais” – Papa Francisco

Fala-se muito em “frente ampla”, política, no Brasil, mas apenas os partidos e movimentos sociais progressistas tocam o tema da desigualdade, principal responsável pelo genocídio que ocorre no País.

Com efeito, como buscar compromisso com quem compromisso não tem? Em primeiro lugar, com a democracia, como é o caso do PSDB e dos grandes jornais de São Paulo e do Rio.

Nada de novo: quando esses setores não conseguem mais vencer eleições, recorrem à quebra do regime democrático, pois não veem a democracia como bem final, considerando-a mero instrumento para aceder ao poder, o qual, não mais servindo àquele fim, pode ser descartado.

Nesse sentido, qual a possibilidade de encontrar algo onde se sabe que não há? Com efeito, assistimos a uma luta pela hegemonia da direita, mas nada sobre as causas estruturais da pobreza e da miséria no país.

Embora tenha perdido a hegemonia no Executivo e no Legislativo, o PSDB ainda a mantém no Judiciário e com ela obrigou Bolsonaro a recuar, como Trump, o patrão, retrocedeu nos EUA.

Assistimos a uma luta pela hegemonia da direita, mas nada sobre as causas estruturais da pobreza e da miséria

Um mínimo institucional ainda se mantém em ambos os países, claramente mais na metrópole do que na neocolônia Brasil. Exemplos de que a barbárie econômica continua, por meio da pilhagem dos bens públicos, não faltam: anúncio da privatização da Eletrobras; não-reestatização da Embraer; anúncio, pelo PSDB do Rio Grande do Sul, do desejo de privatizar o Banrisul, o banco superavitário do Estado. “Pássaros de mesma plumagem voam juntos”, diz o ditado inglês. Nada mais perfeito de que se conformem politicamente também.

Por outro lado, vemos uma sociedade cada vez mais organizada, principalmente as classes mais atingidas pela pandemia.
As favelas organizam a auto-assistência alimentar e sanitária; o MST doa quantidades de alimentos cada vez maiores para as periferias das cidades.

Entretanto, iniciar uma nova ordem política é tarefa das mais difíceis, como a história do Brasil nos faz ver, principalmente se nos ativermos ao período mais recente. Com efeito, Hannah Arendt, em “Liberdade para ser Livre”, chama nossa atenção para a pertinente reflexão de um dos pilares da ciência política: “Nicolau Maquiavel, a quem se pode chamar de ‘pai das revoluções’, desejava com fervor uma nova ordem de coisas para a Itália, mas dificilmente poderia falar com algum grau de experiência sobre esses assuntos. Assim, ele ainda acreditava que ‘os inovadores’, ou seja, os revolucionários, encontrariam suas maiores dificuldades no início, quando tomassem o poder e considerassem fácil mantê-lo.”

Nada mais explicativo sobre a ilusão do PT de ter domado a besta da ditadura do capital. Custou-lhe caro o engano, que não será tão rapidamente perdoado por aqueles que mais estão sofrendo por aquela má leitura política.

Nesse sentido, prossegue Maquiavel, sempre citado por Hannah Arendt: “Não há nada mais difícil de realizar, nem de sucesso mais duvidoso, nem mais perigoso de lidar, do que iniciar uma nova ordem de coisas.”

Talvez os partidos de esquerda não tenham percebido que a não-defesa da ordem institucional, no momento do golpe em 2016, por parte das classes populares tenha ocorrido por ter-se sentido traída, vendo aqueles que deveriam ser representantes dela em arranjos intraclasse.

Lula, após o cativeiro, parece ter percebido isso, razão pela qual declinou de ver seu nome ao lado de Sarney, Temer e FHC, golpistas de ontem e hoje.

A propósito, lembremos com Hannah Arendt: “A coragem era vista pelos antigos como a virtude política par excellence.” No elogio a Waldemar Gurian, sempre em “Liberdade para ser Livre”, de onde também vem a citação acima, Arendt esboça o conceito de “inimigos” políticos: “Para ele, a política era um campo de batalha não de corpos, mas de almas e ideias, o único lugar em que as ideias podiam ganhar forma e contorno, até que lutassem umas com as outras, e nessa luta emergissem como a verdadeira realidade da condição humana e como as mais íntimas governantes do coração humano. Nesse sentido, política, para ele, era um tipo de realização da filosofia…era o reino em que a mera carne da condição material para o convívio dos homens é consumida pela paixão das ideias..uma gigantesca luta de almas em que tudo viesse à luz.”

Arendt complementa o panegírico: “…estava uma verdadeira paixão pelos despossuídos, pelos deserdados e oprimidos, por aqueles cuja vida ou os homens tivessem tratado mal, e com os quais houvesse lidado de forma injusta…Essa clareza em relação à verdadeira qualidade da humilhação e essa paixão pelos oprimidos nos são tão familiares devido aos grandes escritores russos que é difícil deixarmos de notar quão russo ele era em seu modo de ser cristão… Ele havia atingido aquilo que todos nós deveríamos: estabelecera seu lar neste mundo e fizera da Terra sua casa através da amizade.”

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