Putin e Talleyrand

'Desconfiai da vossa primeira impressão, ela é sempre a melhor', afirmava o diplomata francês 

Foto: Gavriil GRIGOROV/SPUTNIK/AFP

Apoie Siga-nos no

Cada vez mais me ocorrem ao espírito paralelos históricos com a Primeira Guerra Mundial. Naquele tempo também ninguém acreditava na possibilidade do conflito. As economias estavam demasiadamente interligadas, os dirigentes políticos conheciam-se bem uns aos outros, muitos deles eram familiares e, além disso, a guerra era coisa para nações bárbaras, que só acontecia nas periferias do mundo ou nas colônias. Nada disso era para gente “civilizada”, como na altura se dizia. Mais de cem anos depois, também em 2022 os cidadãos europeus olhavam a guerra como uma realidade distante, fenômeno de “insurgências” ou de Estados falhados. Nada sério e grave poderia acontecer aqui, num território que as desgraças europeias do século XX haviam transformado nas “terras de sangue”, expressão consagrada no título de um livro do historiador Timothy Snyder. Os avisos de Joe ­Biden só podiam ser alarmistas e as colunas de tanques só podiam significar um golpe de intimidação, um blefe que seria rapidamente resolvido com uma qualquer negociação. Hoje, estamos a caminho dos 500 dias de batalha.

De outro ângulo. Em 1914, a paixão nacionalista e a ideia de uma guerra breve estavam no espírito de todos. Os jovens partiram para a frente sem dúvidas sobre a justeza do conflito e convencidos que este seria rápido. Questão de meses. No fim, durou quatro anos e foi uma mortandade. Também em 2022 os tradicionais argumentos da terra e do sangue que povoam a memória histórica dos povos justificaram a agressão e deram origem à invasão militar que todos achavam ser breve. Não foi. Subitamente deixamos de falar em “guerras cirúrgicas” ou em “insurgências” ou em guerras de “baixa intensidade” e regressamos à definição clássica de Alberico Gentili da guerra como “conflito armado, ­estadual e justo”. Subitamente parece termos regressado à verdadeira guerra quando vemos Estados vizinhos envolvidos em disputa de territórios e com a extraordinária caraterística de uma delas ser uma potência nuclear. Hoje, a única certeza que temos da guerra da Rússia com a Ucrânia é que está para durar.

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

3 comentários

Wilson Roberto Barbosa Ramos 1 de julho de 2023 22h13
As autoridades europeias blefaram nas negociações com a Rússia em que se discutiu limites à expansão da OTAN. A trapaça e a propensão pela guerra estão na história e no DNA europeu, do qual nada me orgulho como descendente. O europeu não se dá conta de que não é mais um conquistador. Antes, é manipulado pelo império em decadência.
ricardo fernandes de oliveira 2 de julho de 2023 09h16
Todo imperialismo e a repetição da fábula do lobo e do cordeiro. O erro da Ucrânia foi não se filiar a otan
CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 12 de julho de 2023 13h19
A OTAN é culpada? É, por achar que era a dona da bola e do campinho. A Rússia é culpada? É, pelo seu histórico de deficiência democrática que leva aos babuskas da Rodina, como Putin se vende com algum sucesso há mais de 20 anos. A Europa é culpada? É, pela complacência e pelo desinteresse com o que ocorre nas suas periferias. Os EUA são culpados? São, por se acharem os donos do time, da bola e do campinho desde a queda do Muro. Lula tem culpa? Sim, quando acredita que Putin vai se comover com a falecida “solidariedade socialista”.

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.