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Proteção à dissidência

Breno Altman tem o direito de opinar sobre Gaza, assim como a população também tem o direito de conhecer pontos de vista divergentes

Propriedade? Israel não tem data para desocupar a Faixa de Gaza e recusa a existência de um Estado palestino – Imagem: Jack Guez/AFP
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O jornalista Breno Altman está sendo objeto de ações que visam valer-se do Judiciário para censurar suas opiniões relativas ao conflito entre Israel e Palestina, bem como aos desumanos bombardeios à Faixa de Gaza. É direito do referido jornalista professar suas opiniões, assim como é direito da população conhecer os pontos de vista existentes no tema.

Os direitos à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento estão previstos na nossa Constituição e em diversos tratados internacionais, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a Carta da Organização dos Estados Americanos e, ainda, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

Os direitos à manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso IV, da Constituição) e à liberdade de expressão (artigo 5º, inciso IX) são indissociavelmente ligados à cidadania e à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), bem como ao que podemos chamar de participação na vida da polis (artigo 1º, inciso II). Essas garantias costumam ser qualificadas como “de primeira geração”, as quais compreendem os direitos civis e políticos das chamadas liberdades clássicas, negativas ou formais. Tais direitos são caracterizados pela necessidade de uma postura negativa do Estado, deferente com as liberdades dos indivíduos.

É por essa razão que José Joaquim Gomes Canotilho a elas se refere como “posições fundamentais subjetivas de natureza defensiva”. Já José Afonso da Silva entende que a liberdade de opinião amalgama as liberdades de pensamento nas ­suas várias manifestações. Todas elas asseguram a “liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer seja um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro”.

Ainda com o objetivo de conferir significado aos direitos à liberdade de pensamento e de expressão, destaque-se que o mesmo é conceituado pelo Pacto de São José da Costa Rica, no seu artigo 13, como “a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”.

Analisando o precedente “­Brandenburg v. Ohio, 395 US 444 (1969)”, da Suprema Corte dos EUA, Cass R. Sunstein, na obra Why Societies Need Dissent?, consignou que a liberdade de expressão está diretamente relacionada à própria ideia de democracia. Para o autor, a proteção dos “dissidentes” não visa somente salvaguardar individualmente as pessoas que professam determinadas ideias, mas também as inúmeras outras que se beneficiam da coragem daqueles que discordam.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF n.º 130, analisou a vetusta Lei de Imprensa de 1967 à luz do chamado regime constitucional da liberdade de informação jornalística, bem como da liberdade de imprensa para, igualmente, reconhecê-la como “verdadeira irmã siamesa da democracia”.

Ali restou consignado que a liberdade­ de imprensa veda a censura, isso em nome da dignidade da pessoa humana e, ainda, em razão das liberdades constitucionais de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e de comunicação.

Com efeito, nossa Constituição, ao dispor sobre a comunicação social no seu artigo 220, assegurou a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo, as quais não sofrerão qualquer restrição. Vedou-se, expressamente, toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Nesses termos, estamos diante de retaguardas constitucionais umbilicalmente atreladas ao pacto social e à noção de ­democracia. Isto é, ao contrário de singelos direitos subjetivos, assegurar a participação na vida da polis é tutelar o que há de mais essencial em termos civilizatórios.

Reconhecendo, acertadamente, a escalada da censura que levou à produção do presente artigo, o Conselho Nacional de Direitos Humanos emitiu “Nota em Repúdio à Tentativa de Censura” ao jornalista Breno Altman, a quem represento no processo movido pela Confederação Israelita do Brasil, a Conib. Não se trata de proteger um “dissidente” individualmente considerado, mas o pleno direito dos cidadãos ao acesso às diversas opiniões sobre o tema. •

Publicado na edição n° 1297 de CartaCapital, em 14 de fevereiro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Proteção à dissidência’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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