Carla Ferreira

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Socióloga, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). É pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

Opinião

Propostas de Bolsonaro para preços de combustíveis não resolvem o problema

Elas, na verdade, têm um caráter eleitoreiro em função da proximidade do pleito presidencial

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Diante da falta de ações efetivas que contribuam para amenizar seus impactos, o aumento dos preços dos combustíveis começa a parecer um problema sem solução aos olhos dos consumidores. Desde que iniciou seu governo, a dupla Bolsonaro/Guedes vem adotando um conjunto de medidas inócuas que não foram capazes de resolver a questão. Há quatro meses da eleição, é apresentada mais uma proposta que, novamente, não deve equacionar de forma estrutural e duradoura a crise dos preços de combustíveis.

De janeiro de 2019 a maio de 2022, o preço da gasolina aumentou 71%, enquanto o do diesel quase dobrou, saindo de R$ 3,54 para R$ 6,97. Esses dados confirmam que nenhum instrumento  adotado pelo governo foi capaz de frear o aumento de preços. Desde a tentativa de abertura do setor até um conjunto de instrumentos fiscais, nada funcionou de forma permanente.

O primeiro esforço realizado pelo governo diz respeito à imposição de medidas de maior abertura de mercado, na busca de elevar a concorrência no setor. O raciocínio é simples: mais atores, mais concorrência, preços menores. Todavia, esse diagnóstico ignora características estruturais do setor de abastecimento.

No caso do refino, as unidades de processamento de petróleo foram organizadas não de forma a concorrerem entre si, mas sim para garantir o abastecimento regional e de complementarem a produção de cada refinaria. Por isso, a tentativa de atrair novos atores para o mercado de refino não garante o estabelecimento de um mercado de “concorrência perfeita”, justamente pelas distâncias entre estas estruturas e a dificuldade logística que se estabelece para a concorrência efetiva. Em suma, cada refinaria atende a um determinado mercado, vendendo determinados produtos.

A RLAM, por exemplo, após ser vendida para a Acelen não passou a concorrer com a Petrobras, mas adotou uma estratégia de mercado e pratica preços visando maximizar seus resultados financeiros. Essa postura implicou em muitos momentos de altas nos preços dos combustíveis no mercado baiano, em patamares superiores à de outros estados, que são atendidos pela estatal.

O segundo esforço trata de um conjunto de instrumentos fiscais para forçar uma redução nos preços. As tentativas de diminuições de tributos, na verdade, foram apropriadas pelos demais atores da cadeia de produção de combustíveis.

Entre março e abril de 2021, as alíquotas do PIS/Cofins para o diesel foram zeradas. O corte significaria uma redução de R$ 0,33 por litro, porém, em função dos reajustes do preço nas refinarias e das recuperações das margens de lucro da distribuição e da revenda, esta queda não foi verificada nas bombas ao longo do período de vigência. Além disso, em novembro de 2021, por pressão do governo federal, o Confaz aprovou o congelamento do preço de referência para aplicação da alíquota percentual do imposto, o PMPF, antes atualizado a cada 15 dias. Tal congelamento teria duração de três meses, mas teve duas prorrogações e deve durar até o final de junho de 2022. Esta medida também não se traduziu em queda no preço final, novamente sendo apropriado por outros players da cadeia.

Em março de 2022, o governo Bolsonaro sancionou a lei complementar nº 192 que zerou mais uma vez as alíquotas do PIS/Cofins do diesel até dezembro de 2022. Após esta medida, o preço do diesel nas refinarias da Petrobras foi reajustado duas vezes (25% em março e 9% em maio), o que fez com que não houvesse rebatimento da anulação do tributo na bomba, pelo contrário, os preços seguiram aumentando.

A lei também alterou a forma de cobrança do ICMS dos combustíveis, forçando os estados a estabelecerem um valor fixo por litro, unificado nacionalmente. Esta medida ainda não entrou em vigor, mas os estados já encontraram uma “brecha” no estabelecimento da alíquota única para o diesel na tentativa de minimizar a perda de arrecadação. O Confaz definiu como referência de alíquota a mais alta praticada entre os estados (R$ 1,006 por litro), abrindo possibilidade de aplicação de “descontos” em cada localidade a partir desta referência. Embora esteja suspensa por uma decisão do ministro do STF André Mendonça, esse mecanismo pode resultar, no fim das contas, em novas altas nos preços.

Nesta semana, o governo Bolsonaro apresentou uma proposta, que apesar de “nova” limitou-se a alterações apenas no mesmo alvo, os tributos. Neste momento, pretende ampliar a desoneração dos tributos federais (PIS/Cofins e Cide) para gasolina e o etanol e, além disso, propõe ressarcir os estados que zerarem suas alíquotas de ICMS, com a condição de que seja aprovado o PLP 18, que objetiva restringir as alíquotas para até 17%. Estimativas iniciais feitas pelo Ineep apontam que as medidas podem impactar cerca de 10% no preço do diesel. A questão que fica: quanto os demais atores vão se apropriar dessa possível redução? Em quanto tempo, novos reajustes da Petrobras irão anular essa redução?

Mais uma vez, tais propostas não devem trazer uma solução sustentável e de longo prazo para os preços de combustíveis. Elas, na verdade, têm um caráter eleitoreiro em função da proximidade do pleito presidencial, que ocorre em outubro de 2022.

Todas as situações elencadas, demonstram que, enquanto não houver uma articulação entre os vários atores que participam da cadeia de formação do preço, será difícil encontrar uma solução realmente efetiva para a amenização do impacto do aumento dos preços ao consumidor. Nos casos específicos em que se discute a tributação, segue-se sustentando a necessidade de se negociar uma reforma tributária mais ampla com diálogo com os entes subnacionais, e não a partir de remendos legais elaborados às pressas. Isso também deve ocorrer com outros elos da indústria do petróleo, especialmente a Petrobras e sua “imutável” política de preços, independente da conjuntura e das mudanças de cenários que ocorreram desde 2016.

O que se observa é que o governo federal tem lançado mão de algumas medidas paliativas, não encarando realmente o problema. Em geral, a trajetória aqui exposta denota uma mesma situação: a omissão de responsabilidade do governo federal na articulação da resolução do problema. Trata-se da questão como se as decisões que envolvem a direção da Petrobras não passassem pela Presidência e seu Conselho, indicado em sua maioria pelo acionista controlador, que é justamente a União.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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