Opinião

Projeto de Lei que tramita no Senado ameaça Educação Ambiental

Um ensino crítico e emancipador precisa ser transversal a todas as áreas de conhecimento

Projeto de Lei que tramita no Senado ameaça Educação Ambiental
Projeto de Lei que tramita no Senado ameaça Educação Ambiental
Acidente em Mariana (MG) foi um dos maiores desastres ambientais do Brasil|A educação ambiental deve estar viva nas escolas (Foto: Pixabay) |A educação ambiental deve estar viva nas escolas (Foto: Pixabay)
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No mês de junho a Educação Ambiental e a preocupação com o meio ambiente ganham frequentemente algum destaque. São lembradas em discursos e realizam-se ações pontuais, simbólicas, em várias cidades do país.

O dia 5 deste mês foi declarado o Dia Internacional do Meio Ambiente devido à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada de 5 a 16 de junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia. Foi a primeira Conferência Internacional que teve como tema central o meio ambiente, sendo considerada até hoje um marco histórico e político. Naquele momento a humanidade foi provocada a olhar com maior atenção para algo que até então seguia sem visibilidade.

A Declaração de Estocolmo, como é conhecido o documento produzido na ocasião, proclama a finitude dos recursos naturais e a necessidade de uma gestão ambiental responsável em todo o mundo. O reconhecimento internacional da educação ambiental como uma estratégia para repensar a forma de viver em sociedade ganhou maior força alguns anos depois, em 1977, quando foi realizada a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tbilisi, na União Soviética.

No Brasil a Educação Ambiental foi marcada, na década de 1970, pela emergência de um ambientalismo que se unia à luta por democracia. Na década seguinte a Constituição Federal (1988) estabeleceu a necessidade de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.  Buscando dar concretude a isso, foi instituída, no fim dos anos 90, a Política Nacional de Educação Ambiental. Esta lei (9.795/99), além de decretar que “a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional”, estabeleceu no seu Artigo 10 que a educação ambiental deve ser desenvolvida como prática educativa integrada e “não deve ser implantada como disciplina específica no currículo”.

Avançamos em termos de políticas públicas nacionais de educação ambiental, em consonância com a evolução internacional do tema, mas neste momento corremos o risco de um sério retrocesso.

Tramita no Senado Federal o PLS 221, de 15/04/2015, que altera a Política Nacional de Educação Ambiental. Dispõe sobre a inserção da educação ambiental como disciplina específica no Ensino Fundamental e Médio, contrariando o acúmulo internacional a respeito e recuperando uma concepção já ultrapassada onde os saberes são construídos de maneira fragmentada.

Repensar as relações da humanidade com o planeta e buscar estabelecer novas formas de viver em sociedade que possibilitem maior respeito à vida, em todas as suas formas, impõe “ampliar o olhar”, ter uma compreensão sistêmica das questões socioambientais, políticas, econômicas e culturais. Não precisamos – e não devemos – criar mais uma “gaveta” com conteúdos isolados dos demais.

Necessitamos romper as barreiras existentes entre os diferentes conteúdos curriculares, entre as diferentes disciplinas, e entretecendo-as, contribuir para uma compreensão mais ampla da sociedade em que vivemos e do nosso papel, enquanto humanidade, na construção de um destino comum.

A educação ambiental deve estar viva nas escolas (Foto: Pixabay) A educação ambiental deve estar viva nas escolas (Foto: Pixabay)

Uma educação ambiental crítica e emancipadora precisa ser transversal a todas as áreas de conhecimento. Como abordar a história sem fazer referência às questões ambientais ao longo nos séculos? E a geografia? E a biologia?

Em qual das “gavetas disciplinas” colocaríamos o conteúdo abaixo?

Já em 1823, José Bonifácio escreveu:

“(…) nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado, da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escavando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios (…) Virá então esse dia, terrível e fatal, em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos”. (apud ROCHA; COSTA, 1998, p. 116).

Este trecho nos faz acreditar que já no século XVIII havia conhecimento sobre o impacto e as possíveis consequências das ações humanas no ambiente. Mas faltou vontade ou força política para mudar o curso da história.

Fragmentar os conteúdos é limitar o entendimento, é um desserviço à compreensão da complexidade tão necessária à sociedade contemporânea.

A educação ambiental que se pretende efetivamente transformadora deve estar viva nas escolas em quatro dimensões de atuação: nos conteúdos curriculares abordados, no espaço físico, na gestão democrática e na relação da escola com a comunidade. Educação ambiental não se teoriza, se vive.

O espaço educa, as relações interpessoais dentro da escola educam, as relações com a comunidade mais próxima e mais distante da escola também educam. Realizar educação ambiental implica exercitar o cuidado com a vida, a responsabilidade compartilhada em relação ao presente e o futuro, destas e das próximas gerações. Não se trata de uma série de conteúdos a serem abordados em uma disciplina específica, mas de formação humana, de ciência a serviço do bem comum, de compromisso político, de coerência entre conhecimento construído e atitudes cotidianas.

Freire, em seu livro Política e educação, afirma que muito da tarefa educativa das cidades depende da nossa posição política, da maneira como exercemos o poder no lugar onde vivemos e do sonho ou da utopia com que embebemos a política: “a serviço de que e de quem a fazemos.” (FREIRE, 1993, p. 13).

Nessa perspectiva, a aprovação do PLS 221, que a qualquer momento pode ser colocado em votação no Senado, será um enorme retrocesso. Esse Projeto de Lei contraria várias outras disposições legais, onde a Educação Ambiental é entendida como responsabilidade do poder público e da coletividade, devendo ser desenvolvida de forma integrada e articulada em todos os níveis e modalidades de ensino, seja formal ou informal, sendo reconhecido seu caráter transversal. Essa é a visão da Constituição Federal (1988), Artigo 225 (parágrafo I, inciso VI), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996) em seu Artigo 26, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e da Lei 9.795 (1999), que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental.

Na década de 1990, no livro Pedagogia da autonomia, Paulo Freire escreveu que não é possível existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer política. Segundo ele, isso nos remete à imperiosidade da prática formadora, de natureza eminentemente ética. Nos leva à radicalidade da esperança. Afirma que a realidade não é inexoravelmente essa. Está sendo essa, mas poderia ser outra e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar. (FREIRE, 1996, p. 83)

A Educação ambiental não pode ser responsabilidade de um professor ou professora em específico. É responsabilidade de todos/as.

Precisamos estar atentos, discutir o assunto e assumir posições.

Saiba mais:

FREIRE, Paulo (1993). Política e Educação: ensaios. São Paulo: Paz e Terra. São Paulo: Cortez Editora

_____________(1996). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra.

Manifesto de educadores e educadoras ambientais contra o PLS 221

Programa Nacional de Educação Ambiental, 4ª edição

Política Nacional de Educação Ambiental

ROCHA, Ana Augusta e COSTA, José Pedro de Oliveira. (1998). A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e sua aplicação no Estado de São Paulo. São Paulo: Terra Virgem.

*Sheila Ceccon é engenheira agrônoma, especialista em Horticultura pela Universidade de Pisa-Itália, mestre em Ensino e História de Ciências da Terra, pelo Instituto de Geociências da Unicamp -SP. No Instituto Paulo Freire, coordena duas instituições mantidas: a Casa da Cidadania Planetária, responsável por projetos de educação socioambiental, e a UniFreire, espaço de produção e publicização de conhecimentos fundamentados pelos princípios freirianos

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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