Opinião

Progressão de regime para Lula não passa de manobra da Lava Jato

A meia libertação apenas pretende disfarçar o erro original e a fraude do julgamento com cartas marcadas

Foto: Ricardo Stuckert
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No momento em que escrevo, leio, com satisfação, a carta de Lula. A escolha que fez, de não aceitar a progressão da pena, estava implícita desde o início. Quem coloca a questão como opção entre dignidade e liberdade tem a escolha feita. Não há uma sem a outra. Ninguém é livre sem dignidade. Sua decisão deixa-me contente, muito contente. 

Como seu amigo, teria respeitado e compreendido outra decisão. Sei bem o que significa esta escolha, o que ela representa de sacrifício pessoal e de sofrimento imposto à família e a todos os amigos mais chegados. Mas como seu admirador político esperava que tomasse esta decisão. Que não se vergasse a mais esta humilhação, que não pactuasse com esta tentativa de suavização do arbítrio e do abuso. Em boa verdade, esta meia libertação apenas pretende disfarçar o erro original e a fraude do julgamento com cartas marcadas. Em face da dimensão do crime, a redenção não virá de meias vitórias. A aquiescência ilumina a face. A recusa dá-lhe beleza. 

O ex-presidente Lula (Foto: Ricardo Stuckert)

Lula sabe que, ali, na prisão, é mais do que ele. Sabe que representa milhões de brasileiros que o acompanham e que sofrem com ele. Sabe o que representa para muita gente fora do Brasil, que olha para ele com a esperança do combate contra a vergonhosa utilização do aparelho judicial para fins políticos. A circunstância transformou-o em símbolo do Estado de Direito Democrático e do império da lei. E não se enganem, não o é apenas para a esquerda brasileira, mas para todos aqueles que acreditam que a justiça penal é o coração do Estado Democrático e que não aceitam a injustiça cometida – até principalmente por ser feita contra um adversário político. Estes, que os há, simplesmente não aceitam ganhar com batota. 

Por outro lado, todos os que o conhecem sabem que Lula é uma pessoa alegre, que gosta da vida e das coisas boas. Que não tem vocação de mártir. Mas que sabe o que é a ética da responsabilidade, sabe o que os seus gestos significam para os outros, sabe o que os outros esperam dele, sabe quanto vale. Conhece bem as adversidades da vida e o sofrimento não lhe é estranho. Nunca nada lhe foi oferecido sem luta. Sua liderança foi sempre sujeita a exames periódicos de inteligência e de combate político. Nunca teve do seu lado nem a legitimidade do nascimento nem a proteção de um qualquer establishment. Fez-se a si próprio. Hoje, ao ostentar com orgulho as cicatrizes da batalha, volta a mostrar que está pronto. 

Sejamos claros: a chamada progressão da prisão de Lula para o regime semiaberto não passa de uma manobra de contenção de danos. Ela não tem outra motivação a não ser o cálculo político, evitar o momento em que Lula sairá inteiramente livre da prisão e o impacto que tal acontecimento terá no País. Bem vistas as coisas, têm toda a razão para temer esse momento. 

O mais impressionante nos diálogos entre procuradores e o juiz da Lava Jato é a sua constante preocupação política. Essa é sempre a prioridade que se percebe em todas aquelas conversas. Antes de qualquer ação, ninguém ali pensa em  justiça ou na descoberta da verdade, mas como a ação será recebida, se vai parecer bem, se vai agradar ao público, em particular ao seu público. O comportamento não é de quem dirige uma equipa judicial, mas um partido – as análises, as preocupações, os cálculos, tudo espelha preocupação política. O inimigo é conveniente, os meios somos nós que os definimos, a causa é o bem maior. 

Na verdade, todos pensam numa biografia. Todos eles sonham com o seu momento, o momento em que mudarão o mundo e deixarão o seu nome gravado a letras de ouro no céu estrelado da história do seu país. Para alguns não basta sequer o efeito político e a simpatia da opinião pública. É preciso que tudo tenha brilho e luzes e vem então a  fascinação pelas palestras e pelos cachês milionários. 

Aqui nasce também essa extraordinária ligação do Judiciário com o entretenimento: o que importa é o espetáculo e pouco importa se por detrás do pano só o vazio existe. É um sonho, digamos assim, hegeliano – igual a Napoleão, um  único ponto concentra em si próprio um poder irradiante que se estende sobre todo o país e reina sobre ele. No fim, retirado de cena, o procurador-geral explica o grand finale que havia mentalmente encenado, o assassinato do juiz, na sala de tribunal, com um tiro na cara. Silêncio. Há momentos em que só o silêncio merece ser ouvido.

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