Opinião

Professores perigosos, felizmente!

O ódio de Eduardo Bolsonaro aos professores é a expressão do pavor que toda mente totalitária sente da força da cultura e da educação

Eduardo Bolsonaro discursa em evento armamentista no Distrito Federal
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No domingo 9, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, em mais uma de suas típicas manifestações de insensatez e falta de decoro, comparou os professores a traficantes de drogas, enquanto discursava em um ato pró armas, em Brasília. Para ele, um “professor doutrinador” é tão maléfico ou “ainda pior” que um traficante que busca aliciar jovens para o crime, pois o professor pode “causar discórdia” nas famílias, levando-as a enxergar opressão “em todo tipo de relação”: entre pai e mãe, mãe e filho, etc. Como se não bastasse, citou ainda, obviamente fora do contexto, uma passagem bíblica segundo a qual a mulher deve ser submissa ao homem.

Foi mais um entre tantos ataques à Educação, desta feita dirigido aos educadores, cuja realidade, ao que parece, o deputado desconhece ou hipócrita e convenientemente finge ignorar. O cinismo do filho Zero Três do ex-presidente só não é maior do que sua arrogância e sua truculência, tão ao gosto das hostes bolsonaristas. A rigor, não é com a doutrinação que ele está preocupado, mesmo porque, sabe ele muito bem, não é essa a tarefa a que se dedica a esmagadora maioria dos educadores.

Se a doutrinação fosse para ele um problema, certamente não apoiaria projetos como o das escolas cívico-militares e das escolas paramilitares, cujo caráter doutrinário – de direita – é explicitamente assumido e notoriamente reconhecido. Da mesma forma, não teria apresentado um projeto de lei para autorizar o ensino domiciliar, justamente para favorecer a doutrinação religiosa das crianças a partir de uma orientação fundamentalista e conservadora.

Eduardo Bolsonaro também não faria campanhas de inculcação do medo ao comunismo, às religiões de matriz africana, à diversidade de gênero e às diferentes modalidades de famílias, valendo-se de sua posição para fomentar ignorância e preconceito em relação a tudo isso. Não se empenharia em difundir a confusão entre a justiça e a ideia de que “bandido bom é bandido morto”, apenas para se beneficiar da indústria das armas. Tampouco seria ele um dos principais articuladores do chamado “gabinete do ódio”, criado para espalhar notícias falsas, difamar opositores e, assim, manipular o eleitorado. Enfim, se estivesse, de fato, preocupado em combater a doutrinação, não estaria ele próprio engajado em infinitas ações doutrinadoras em favor de sua própria ideologia.

O que teme o deputado e seus aliados, na verdade, não é a doutrinação, mas o antídoto a ela que os professores podem oferecer. Afinal, uma escola de qualidade, que propicie, desde cedo, o pensar crítico, científico, criativo e autônomo; a vivência dos valores democráticos e do respeito à diversidade; a defesa da natureza e da vida de todos os seres do planeta; uma escola que forme cidadãos plenos, capazes inclusive de questionar os fundamentos da sociedade desigual e opressora em que vivem, esta sim representaria um enorme entrave ao projeto neofascista e obscurantista que ele representa.

O ódio de Eduardo Bolsonaro e seus aliados aos professores é, na verdade, expressão do pavor que toda mente totalitária sente da força da cultura e da educação. Não por acaso, segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos, o investimento em educação no último ano do governo Bolsonaro, que já vinha recuando drasticamente, foi o menor em dez anos. A intenção é esfolar ao máximo a escola e os professores para evitar, a todo custo, como ele próprio confessa involuntariamente, que os estudantes venham a enxergar a opressão que caracteriza as relações econômicas, sociais e familiares da sociedade brasileira. Esse é o verdadeiro objetivo escondido na crítica falaciosa à doutrinação.

Num certo sentido, portanto, podemos concordar com o deputado: de fato, para os que almejam uma sociedade de pessoas ingênuas e facilmente manipuláveis, o professor pode ser muito perigoso. Um traficante não incomoda o sistema econômico e político. Antes, pode até lhe ser útil, ainda mais se vier associado a milícias, armas e dinheiro. O professor, por outro lado, se fizer bem o seu trabalho, pode ser um incômodo obstáculo ao sequestro das mentes, dos corações e dos corpos da juventude para o projeto fascista. Que bom, então, que Eduardo Bolsonaro odeia os professores. Enquanto for assim, saberemos que estamos no caminho certo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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