Opinião

Produtores de leite, vítimas de um governo desqualificado

O anunciado recuo na questão do leite se trata-se, na verdade, de uma enganação

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O setor leiteiro sabe que seu futuro está ameaçado. Corre risco de extinção por causa da não renovação das tarifas antidumping que protegiam nossa produção da invasão do leite europeu e neozelandês. Foi uma ação desastrosa do governo Jair Bolsonaro contra quase 1,2 milhão de produtores de leite de todo o Brasil o fim da proteção tarifária que existia desde 2001 e deveria ser renovada até o dia 6 de fevereiro.

A União Europeia destina pesados subsídios governamentais à produção do leite, a Nova Zelândia também subsidia o setor, o que faz com que o produto chegue ao Brasil com preço muito abaixo do que é praticado aqui, tirando do leite nacional qualquer chance de competição. Diante desse cenário, como medida para proteger o produtor brasileiro, com o aval da OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil impôs as tarifas antidumping – mecanismo de defesa comercial adotado por alguns países – sobre o leite importado.

Quando a tarifa começou a ser aplicada, o Brasil ainda não era autossuficiente na produção de leite. Após dez anos, passou nossos produtores passaram a suprir todo o mercado interno e a gerar excedente para exportação. É um setor econômico com uma enorme potencial de geração de emprego e renda. Com a decisão do governo ultraliberal Bolsonaro de não renovar a proteção antidumping, poderemos ver a extinção de uma vasta cadeia produtiva, atingindo em cheio regiões inteiras de estados que dependem economicamente dessa atividade como, por exemplo, o sudoeste do Paraná.

Após o leite derramado, o governo anuncia que deve voltar atrás na decisão, como se fosse uma medida simples. Da mesma forma que coleciona recuos e desmentidos que afetam a economia do país, como no aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF); na paralisação da reforma agrária; na demissão de funcionários da Casa Civil; na implantação de uma base militar norte-americana em território brasileiro; nas negociações da compra da Embraer pela Boeing; na mudança da Embaixada de Israel; entre outras medidas vaivém desse governo que mostram o despreparo de toda a equipe.

O anunciado recuo na questão do leite se trata-se, na verdade, de uma enganação. Como as medidas de proteção aos nossos produtores não foram renovadas dentro do prazo, pode ser que o Brasil tenha que iniciar um novo processo do zero. Teria de haver um novo pedido de investigação da necessidade da tarifa, como foi feito em 1999 pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Naquela época, as medidas só puderam ser implementadas depois de dois anos de espera, em fevereiro de 2001. Pode-se, no entanto, solicitar direitos antidumping provisórios, após a conclusão das determinações preliminares, as quais podem ser concluídas em 120 dias.

A CNA levantou uma alternativa de elevar Tarifa Externa Comum (TEC) que incide sobre produtos lácteos de países de fora do Mercosul para compensar a queda das medidas antidumping. Mas, de acordo com o princípio de terceiro país do Acordo Geral de Tarifas e Comércio GATT/OMC, esse aumento nas tarifas tem de ser aplicado às importações de todos os países, o que pode gerar protestos e contestações na OMC.

O fato é que os produtores brasileiros de leite ficarão à mercê de possibilidades que não devem ser efetivadas de forma ágil e, mais grave, ainda podem ser questionadas e inviabilizadas.

O prejuízo é certo e está dado. Cabe, agora, ao governo — e estaremos cobrando persistentemente — , aliviar os danos. Entre as medidas que podem ser adotadas: renegociação de dívidas de pequenos produtores do setor leiteiro, políticas diferenciadas de financiamento e custeio da produção, promoção de condições para aprimorar nosso processo produtivo que leve a melhores patamares de produtividade e ampliação dos programas de aquisição de alimentos voltados para o setor leiteiro.

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