Chico Whitaker

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É arquiteto e ativista social, foi vereador em São Paulo pelo PT, secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, cofundador do Fórum Social Mundial, membro da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, Premio Nobel Alternativo de 2006.

Opinião

Precisamos de uma PEC que tipifique o crime de destruição da democracia

Estamos no pior dos infernos, paralisados enquanto a casa pega fogo

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Como democratas, somos todos a favor do direito das minorias se exprimirem politicamente, por palavras ou ações. E lutamos para que lhes seja garantido esse direito.  

Mas o que fazer quando surgem minorias que se exprimem e agem contra a própria democracia? É o que vem ocorrendo no Brasil, num processo estimulado por um presidente da República irresponsável, eleito não pela maioria dos cidadãos e cidadãs eleitores mas por uma maioria de votantes desinformados e manipulados por fake news.  

Na mais grave fase de uma pandemia, continuamos sem um ministro da Saúde que se respeite, e um ministro da Justiça que se desmoralizou foi substituído por outro que parece não saber muito bem o que fazer e o que falar, o mesmo se passando com o procurador-geral da República empossado há quase um ano. Enquanto aumenta o número dos que se convencem de que o presidente deveria ser interditado por psicopatia.

É nesse quadro que surgem grupos antidemocráticos ou literalmente nazistas, que procuram se impor como únicos donos das ruas e as percorrem buzinando em seus carrões, ou as ocupam contrariando as recomendações internacionais de evitar aglomerações para combater a covid-19. Mas o que conseguem é somente aumentar, no povo, a confusão criada pelas ações do próprio presidente, que dá insistentemente maus exemplos contra a precaução do isolamento, desrespeita os serviços de saúde e corta as verbas desses serviços. Onde chegará, em sua loucura, se há pouco até sugeriu que seus correligionários invadissem hospitais e filmassem nas enfermarias e UTIs o que nelas se passa, porque quer provar que se mente a respeito do número de doentes e mortos? 

O pior é que, com tudo isso, muitos dos opositores do presidente se veem obrigados a também ocuparem as ruas, para denunciar o totalitarismo em marcha. Mas, caindo numa autêntica armadilha, criam outras aglomerações que – ainda que tomem todos os cuidados para evitar a propagação do vírus – acabam por contribuir também para o aumento de número de infectados. 

 

Na verdade, os grupos anti-democráticos pouco se importam com o número de mortes que provoquem. O que querem é propagandear a necessidade de intervenção das Forças Armadas por meio de um novo AI 5, que reinstaure em nosso país a ditadura. Mas a pandemia cansa e angustia a todos, enquanto as estatísticas publicadas aqui e no resto do mundo mostram uma permanente subida em flecha do numero de doentes e de mortos no Brasil, colocando nosso país no topo dos que ainda não conseguiram vencer a doença, que se espraia em todo o país. Mesmo que esperemos que um dia o consigamos, é penoso e aflitivo. 

A Justiça acaba de mandar prender uma líder dessas minorias, que usa um vocabulário tão chulo como o do presidente e se faz fotografar empunhando duas armas, já que o presidente quer também armar o povo, como prometia Mussolini em tempos de triste memória. Financiada por não se sabe que empresários, ela até montou um acampamento de supostos ditos rebeldes na Praça dos Três Poderes, de onde, na última noite antes das barracas serem desmontadas pela Polícia, foram lançados foguetes contra o edifício do Superior Tribunal Federal, juntamente com ameaças físicas aos seus Ministros. 

Mas demoram demais as medidas tomadas para neutralizar tais desvarios. E, o que é mais assustador, não são encontradas, no emaranhado de leis de nossa democracia, medidas que permitam afastar do poder político o mais rapidamente possível o chefe de tudo, para impedir que faça, a cada dia que passa, cada vez mais danos ao país. Minimizando a gravidade da pandemia, ao mesmo tempo em que despreza os negros, os pobres e os indígenas e propaga a sua intolerância com todos os diferentes, ele provoca um número cada vez maior de mortes e pouco a pouco vai destruindo nossa soberania, nossa economia, a educação, a pesquisa científica, o sistema de saúde, o meio ambiente, a imagem internacional do país, etc., etc.,  E estamos falando de um país conhecido em todo o planeta pela cordialidade de seus habitantes, que já foi campeão mundial do futebol e até já foi chamado de “país do futuro”. 

Por que não se abre um processo de impeachment, atendendo a um clamor cada vez mais generalizado de toda a sociedade? Diz-se que pelo receio de não serem obtidos no Congresso os votos necessários para isso, uma vez que mais de um terço dos atuais parlamentares foi eleito na mesma onda eleitoral do presidente, faz parte do que há de mais corrupto na classe política e aceita portanto ser comprado para manter seu apoio a ele, ainda que seja evidente sua incompetência e possa ser indiciado imediatamente como um criminoso. 

O impeachment parece também não acontecer porque a ameaça da intervenção militar – cuja consistência ninguém conhece de fato – imobiliza o resto do Congresso. O mesmo se passa com o TSE, que já analisa se as eleições de 2018 devem ser anuladas por fraudulentas. Mas todos sabem que a intervenção pode vir das milícias ligadas a toda a família do presidente, e estas provavelmente já se encontram bem armadas, graças a MPs e portarias que tornaram mais flexível a entrada de armamentos e munições no país e o controle de sua posse. O próprio presidente da República parece desejar uma guerra civil, com a qual se destrua completamente a nação. 

Ou seja, estamos no pior dos infernos, paralisados enquanto a casa pega fogo. Não seria o caso dos nossos especialistas em direito constitucional buscarem rapidamente uma maneira da Constituição nos tirar da inacreditável imobilidade em que nos encontramos? Precisamos já de uma PEC que tipifique os crimes de destruição da democracia e da própria nação, assim como permita que seja afastado do poder todo governante, a qualquer nível, que não tenha, comprovadamente, condições psíquicas para dirigir governos. 

Talvez esse tipo de precaução não tivesse sido considerada necessária pelos nossos Constituintes, por pensarem que seria impossível que acontecesse esse descalabro. Mas vivendo e aprendendo, diz a sabedoria popular. Às vezes dolorosamente, como agora.

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