Guilherme Boulos

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Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.

Opinião

Posse de armas de fogo: 5 razões para ser contra

A primeira medida de Bolsonaro em relação à segurança tira do Estado e transfere à população a tarefa de se defender

Armas de fogo (Foto: ABr)
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Jair Bolsonaro assinou o decreto que facilita a posse de armas no País. Ter direito à posse significa poder manter arma de fogo no domicílio ou no local de trabalho. É diferente de poder “andar armado”, isto é, de ter direito ao porte. Com o decreto, tem direito de posse de até quatro armas em casa quem comprovar à Polícia Federal possuir “efetiva necessidade” e preencher requisitos tais como ter mais de 25 anos e não possuir antecedentes criminais. O prazo de validade do registro passa de 5 para 10 anos.

Apesar de agradar a seu público, a primeira medida de Bolsonaro em relação à segurança tira do Estado e transfere à população a tarefa de se defender. O decreto não só não resolverá o problema da segurança como pode agravar a violência no Brasil, por uma série de razões. Vamos a cinco delas.

Os países mais armados não são mais seguros

Os defensores apaixonados de armar a população geralmente utilizam os Estados Unidos para defender suas ideias. Pois bem. Lá, onde a venda de armas é liberada, a taxa de assassinatos por armas de fogo é 25 vezes maior do que a de outros países desenvolvidos. O índice de mortes de crianças por arma de fogo nos EUA é duas vezes maior nos estados que têm regulamentação mais flexível em relação a porte e posse de armas. Entre 2001 e 2011, o número de mortos em incidentes com armas de fogo foi 40 vezes maior do que o de mortos em ataques terroristas, segundo dados do Departamento de Justiça.

Como contraexemplo, os defensores do armamento costumam utilizar a Suíça, que é o terceiro país em proporção de armas de fogo por habitante e ocupa uma posição relativamente boa na taxa de homicídios, a 11ª no mundo. É preciso, porém, apontar: 43% dos homicídios na Suíça são domésticos, índice altíssimo. E ainda, como contraponto, podemos citar o Japão, onde as armas são proibidas, e tem metade do número de homicídios da Suíça.

Estar armado aumenta os riscos em caso de assalto

Há uma percepção de parte da população de que, armada, pode defender-se melhor em caso de agressão ou assalto com arma de fogo. Esta é uma falsa sensação de segurança. Dados do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais mostram que os armados correm um risco 56% maior de serem mortos após um assalto.

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Motivo: armado, o cidadão tende a reagir e, na reação, torna-se alvo com mais frequência. Até porque a enorme maioria da população não tem preparo e treinamento adequado para o uso de arma de fogo. Além disso, no caso de assaltos a residências, mais uma vez podemos recorrer ao exemplo dos EUA. Pesquisa da Universidade de Stanford apontou, contra a percepção corrente, que casas com armas são mais visadas pelos criminosos, pois, com planejamento adequado, podem, também, roubá-las no ato de assalto. 

Bolsonaro assina o decreto que flexibiliza a posse de armas (Foto: Alan Santos/PR)

Armas em casa aumentam os riscos à própria família, em especial às mulheres

O decreto de Bolsonaro exige uma declaração de que a residência possui um cofre ou “local seguro” para armazenamento da arma em casas com crianças, adolescentes ou indivíduos com deficiência mental. Mas não prevê nenhum tipo de fiscalização. Isso representa um risco enorme para as próprias famílias.

Um estudo mostrou que a maioria das crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos não diferenciava armas reais das de brinquedo. Outro contabilizou 2.715 mortes de crianças por armas de fogo entre 2014 e 2015 nos EUA. Um terço foram suicídios voluntários e involuntários. Em vez de garantir a proteção de nossas famílias de perigos externos, uma arma em casa só aumenta a chance de tragédias.

No caso das mulheres, o risco de feminicídio pode aumentar consideravelmente. Atualmente, metade deles dá-se por armas de fogo. Parte expressiva da violência contra a mulher ocorre dentro de casa, como violência doméstica.

Leia também: Seis pontos mal explicados no decreto pró-armas de Bolsonaro

A maior parte da população defende a proibição da posse de armas

Durante e após a campanha eleitoral, vendeu-se a ideia de que grande parte do eleitorado de Bolsonaro o escolhia por conta da defesa do direito de autodefesa no combate à violência. Em sentido contrário, o Datafolha mostrou que seis em cada dez brasileiros (61%) consideram que a posse de armas de fogo deve ser proibida por representar ameaça à vida de outros. O percentual aumentou desde as eleições.

É interessante observar que aqueles que mais sofrem com a violência diária são ainda mais avessos à posse de armas. Mulheres mais do que homens, pobres mais do que ricos. No fundo, sabem quem serão as vítimas se houver mais disparos.

A opinião popular encontra respaldo na opinião científica. Segundo pesquisa de Thomas Conti, apesar de a indústria armamentista financiar pesquisas que busquem dar respaldo a seus negócios, 90% das revisões de literatura científica são contrárias à tese “Mais Armas, Menos Crimes” e evidenciaram o aumento da violência quando há liberação de armas.

A quantidade de armas ilegais deve aumentar ainda mais

Por vezes os cidadãos parecem crer que as armas ilegais nascem ilegais. Nada mais errado. Em sua maioria são desviadas do mercado legal aqui mesmo. De acordo com estudo do Instituto Sou da Paz, baseado em informações do estado de São Paulo, 3 de cada 4 armas apreendidas pela polícia são brasileiras. E 64% delas foram fabricadas antes do Estatuto de Desarmamento, quando o controle era bem menor. O mercado legal abastece o ilegal, seja por roubo, seja por corrupção de agentes públicos e pela falta de fiscalização adequada. O mesmo se passa com as munições.

Em resumo, o decreto de Bolsonaro está longe de ser solução para a segurança pública. A epidemia de homicídios no Brasil não se resolverá por meio da ampliação do acesso às armas, mas com seu controle mais rígido, combatendo o tráfico de armas e munições e impedindo que as armas cheguem nas mãos de criminosos. Isso se faz com políticas, como o aperfeiçoamento da marcação das armas, ampliação da exigência de marcação de munições e redução dos lotes e, sobretudo, com um investimento em inteligência e integração na segurança pública.

O fracasso da política atual não será resolvido com o estímulo ao bangue-bangue e à justiça com as próprias mãos.

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