Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

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Posicionamento em campo

O caso Vinícius Júnior, na Espanha, mostra que os jogadores devem, cada vez mais, se posicionar sobre questões sociais – do racismo a temas complexos, como o suicídio

Posicionamento em campo
Posicionamento em campo
Foto: OSCAR DEL POZO / AFP
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Passados os extensos funerais da rainha da Inglaterra, restaram as imagens de uma quantidade impressionante de reis e rainhas que desfilaram no Reino Unido. Tal retrato nos deu uma ideia chocante a respeito do tanto que resta de monarquia no mundo. O lado bom de tal desfile é que, talvez, ele contribua para o aumento da consciência quanto ao significado destas eleições para os súditos aqui do Brasil. Estamos em uma “bola dividida” entre o crescimento e o retrocesso.

A continuidade daqueles que, neste momento, estão no poder só interessa aos que não escondem ser, mais que conservadores ou direitistas, reacionários absolutistas. Para a grande maioria da sociedade brasileira, é inadiável a necessidade de se fazer representar.

Isso tudo nos alcança em uma hora em que temos um brasileiro autêntico, com raro talento político, que faz sua candidatura interessar a todos os outros setores da população – salvo os reacionários. Lula é um negociador por excelência e, por isso mesmo, não prega a ruptura radical que, no fundo, é o que temem seus (nossos) adversários.

Não temos o direito de desperdiçar esta oportunidade única. Vencendo as eleições, a tarefa será gigantesca. Passamos, afinal de contas, por um período de descalabro agressivo. A necessidade será, mais uma vez, promover a conscientização da população para sair do círculo vicioso de um golpe que nos acomete, em média, a cada 50 anos.

Entendo que o panorama geral de crise política representa uma oportunidade especial para o Brasil se libertar de fato e assumir um papel de equilíbrio dos polos em conflito fundamental para a própria sobrevivência humana. Que seja a Primavera Brasileira.

Saltando para o nosso mando de campo, apesar da paralisação pela chamada data Fifa, a semana foi pródiga em acontecimentos, a começar pelo “caso” Vinícius Júnior, que sofreu insultos racistas por parte da torcida do Atlético de Madrid.

Quando começam a criticar suas danças, o jogador, em um vídeo, associou suas celebrações pós-gol à sua própria origem cultural. “(Essas danças) são dos ­funkeiros e sambistas brasileiros, dos cantores latinos de reggaeton e dos pretos americanos. São danças para celebrar a diversidade cultural do mundo”, afirmou.

A partir disso, o jornalista Thales ­Machado deu uma aula completa, no jornal O Globo, sobre o significado das comemorações dos gols. “As comemorações pós-gol não só são alvos de polêmica, mas também viraram marcas pessoais e comerciais de jogadores, culturais de alguns povos e fundamentais do mundo da bola”, escreveu ele.

Machado cita então os pulos do rei Pelé socando o ar, do camaronês Roger Mila tirando a bandeira de escanteio para dançar, os escorregões ingleses pelo gramado, o gesto teatral de CR7, além de tantos outros, e até mesmo o silêncio introspectivo do excepcional Quarentinha voltando para o centro do campo sem nenhuma vibração e dizendo que fazer gol não passava de uma obrigação do artilheiro.

A conquista de um gol é o momento mais significativo do encontro entre o jogador e o torcedor, e é natural que desperte a chama e a explosão libertadora. Mas é importante que se reflita sobre as implicações de cada gesto.

A necessidade de tomada de consciência e de posicionamento da parte dos jogadores também foi abordada pelo experiente Danilo, em um depoimento dado ao site do Globo Esporte, numa seção dedicada aos jogadores que participarão da Copa do Mundo. Danilo tem uma longa carreira na Europa e hoje defende a Juventus italiana.

Ele explica, no depoimento, que o período de recolhimento forçado, motivado pela pandemia, lhe trouxe reflexões sobre a necessidade de os jogadores assumirem responsabilidades sobre temas sociais – alguns deles complexos, como os suicídios.

Em seu relato, Danilo abordou também as mudanças especificas dentro do campo. “Acabou aquilo de o lateral ter de cruzar dez bolas, subir ao ataque e voltar, assim como aquilo de o primeiro meio-campista ser aquele que só marca, que apenas defende”, decretou ele, com a ­autoridade de um grande jogador. “Acabou aquilo de que é o camisa 9 que tem de fazer os gols. Não tem mais espaço para isso no futebol.”

É chegada a hora dos polivalentes, anunciada lá atrás por João Saldanha. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1227 DE CARTACAPITAL, EM 28 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Posicionamento em campo “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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