Silvia Maria

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Pedagoga com 30 anos de experiência na área da Educação no município de São Paulo. Foi Coordenadora Pedagógica, Supervisora Escolar 10 anos. Supervisora Técnica por 4 anos. Diretora da Divisão de Normatização Técnica da Secretaria Municipal de Educação.

Opinião

Por que as mamas femininas representam uma ameaça?

Discutir o complexo sistema de violência contra mulheres em curso no país é urgente

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
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Qual a mensagem transmitida ao público diante da imagem de duas mulheres levadas a uma delegacia algemadas pelos pés porque estavam curtindo a praia com as mamas expostas, onde estava sem constrangimento um homem sem camisa? Qual o impacto causado e que sentimentos são despertados?

Milhares de brasileiros se depararam com a notícia de que Ana Beatriz e sua amiga foram abordadas pela Polícia, no dia 29 de janeiro em uma praia. Fiquei imaginando a reação de quem presenciou e me perguntando o por que de as vítimas receberem solidariedade de um número restrito?

O que move alguém relaxando a beira mar, ligar para a Polícia, denunciando mulheres com as mamas amostra? Segundo relatos, havia um número excessivo de policiais fazendo parte da operação, que vou nomear como: “ Mulher que não se dá ao respeito, depois não reclame”. Nome escolhido dentre os comentários escritos repetidamente nos sites que divulgaram a notícia.

Exercer o poder através da violência é estratégia utilizada desde a colonização, para que corpos de pessoas não brancas e mulheres, sejam mantidos em um lugar de subalternidade, pois através do medo que gera, demonstra como serão punidas se ousarem transgredir.

No caso das mulheres, punições historicamente são respaldadas por leis escritas por homens. Existiram dispositivos que exigiam a virgindade dos corpos femininos, considerando ainda, as relações extraconjugais naturais para homens mantendo mulheres num status inferiorizado, a exemplo do Código Civil de 1916, que permitia que um casamento fosse anulado se constatado a não-virgindade de uma mulher.

Será que foi nesse período que nasceu a frase: homem é assim mesmo, pois tem a carne Fraca?

Através de leis de um passado não distante, homens podiam justificadamente assassinar mulheres, se fossem flagradas em adultério, sob a alegação de que a honra masculina precisava ser mantida. Um caminho de lutas foi percorrido para que leis como a Maria da Penha, fossem sancionadas e ainda hoje existem pessoas que questionam a necessidade de sua existência.

Não sei quais os sentimentos das pessoas diante da Operação ”Mulher que não se dá ao respeito, depois não reclame”, contudo afirmo que além de medo, senti preocupação com relação a saúde emocional de Beatriz, sua amiga e me entristeci, pois sei que existem mulheres que passam por situações similares e seus rostos não aparecem no jornal e assim como eu, vivem neste pais que há séculos elaboram dispositivos penais discriminatórios referentes à violência sexual.

Farmacêutica bioquímica, Maria da Penha foi baleada pelo ex-marido. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Precisamos denunciar situações que causam danos emocionais e psicológicos as mulheres, pois essas feridas são difíceis de curar. Elas adoecem, aos poucos, com o veneno oferecido socialmente e quando ofertado pelos homens que apoiam, provocam uma dor que demora para passar.

Muitas mulheres sofrem violências psicológicas e aquelas que com dificuldade conseguem identificar que são vítimas, tamanha sutileza das estratégias utilizadas pelos agressores, nem sempre conseguem comprovar, pois a maioria desses crimes são cometidos entre quatro paredes, covardemente por homens com o ego frágil.

Sinto falta de campanhas divulgando amplamente que comportamentos que envolvam mentiras, manipulações, constrangimentos, humilhações, dentre outros que causem dano emocional e perturbe o pleno desenvolvimento de uma mulher, são crimes previstos na Lei Maria da Penha e também na Lei 14.188/21 que alterou o Código Penal.

É complicado que mulheres agredidas, precisem criar estratégias para denunciar, a exemplo do Programa Sinal Vermelho, onde as vítimas marcam um X na palma da mão, na esperança de que as pessoas entendam e sejam socorridas ou ainda que sejam estimuladas a simular pedir uma pizza, ao ligaram com medo para a Polícia, na expectativa de que quem atenda, perceba que estão correndo perigo, sobretudo porque vivemos em um país onde mulheres violentadas sentem vergonha e culpa.

Com relação a violência psicológica a situação é mais complexa. Como denunciar se para a vítima, ter consciência que está sofrendo esse tipo de crime envolve um processo que leva tempo, tamanha manipulação que ocorre por parte do criminoso e ainda é preciso comprovar que a causa do adoecimento emocional tem nome e sobrenome?

Eu fui uma dessas mulheres que, após muita terapia, criei uma estratégia para descortinar a violência psicológica que sofria. Compartilho porque a escrita para mim é terapêutica e principalmente na esperança de ajudar, mesmo tendo a consciência que a maioria infelizmente, não possui os recursos que eu utilizei.

Houve um período que comecei a gravar o que me era dito por um homem que me relacionei, quando sentia a tentativa de manipulação.  Inicialmente a intenção era apenas confirmar que eu realmente havia ouvido as violências e mentiras ditas, pois quando confrontado, ele alegava que era fruto da minha imaginação, na tentativa de me confundir, ou melhor, me confundindo.

Posteriormente essas gravações contribuíram para algo maravilhoso que eu não previa, pois constatei que eu era vítima de violência psicológica sistêmica, o que felizmente contribuiu para que definitivamente retirasse o agressor de minha vida.

Acredito que para além de campanhas que estimulem ações individuais, que mais atribuam as mulheres a responsabilidade por interditarem os criminosos para que não adoeçam ou sejam assassinadas, é primordial eleger mulheres que tenham uma trajetória de compromisso com essa pauta e que uma vez eleitas, contribuam na luta a favor da vida com saúde das mulheres que vivem neste pais, onde os índices de feminicídio não param de crescer.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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