Fernando Dal-Ri Murcia

Professor e diretor FIPECAFI Projetos, professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de São Paulo - FEA/USP, e Doutor em Contabilidade e Controladoria pela USP

Opinião

Por que regular a divulgação de informações sobre sustentabilidade empresarial?

Agentes de mercado e sociedade não conseguem muitas vezes diferenciar o ‘ESG Real’ do ‘ESG Fake’

Imagem: iStock
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Apesar de não ser novo, o tema da sustentabilidade empresarial – mais conhecido recentemente pela sigla ESG (Environmental, Social and Governance) ou ASG (Ambiental, Social e Governança) na tradução portuguesa –, que chama cada vez mais a atenção das empresas, do mercado e da sociedade, ganhou tração no âmbito mundial com a eleição do presidente Joe Biden, nos Estados Unidos, com uma clara “agenda verde”, mas também com as sequelas da pandemia do Covid-19.

No Brasil, o um aumento na divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade por parte das empresas inclui tanto algumas iniciativas extremamente legítimas e fidedignas, como outras que parecem muito mais uma tentativa de surfar no movimento – um comportamento que acadêmicos e participantes do mercado costumam denominar de “greenwashing”, uma espécie de “maquiagem verde” com a qual a empresa se promove como sustentável, mas que, na prática, não é.

Em razão disso, agentes de mercado e sociedade não conseguem muitas vezes diferenciar o “ESG Real” do “ESG Fake”. Do mesmo modo, a divulgação dessas informações não segue uma padronização que permita a comparabilidade entre as empresas. O disclousure é caracterizado por informações qualitativas, muitas vezes desconectadas do modelo de negócios das empresas.

Neste cenário, a normatização sobre o tema, acompanhada da regulação por parte de órgãos com poder de exigência (“enforcement”) e punição, é necessária e auxiliará em ao menos quatro grandes aspectos:

  1. Obrigatoriedade de divulgação de riscos potenciais e informações com caráter negativo. Atualmente, como se trata de algo não obrigatório, as empresas não têm incentivos econômicos para, voluntariamente, divulgar informações negativas, passíveis de, eventualmente, prejudicar sua imagem perante a sociedade e/ou seu valor econômico;
  2. Padronização e avaliação quantitativa dos efeitos e práticas empresariais. Isso permitirá que as práticas de sustentabilidade das empresas possam ser comparadas com pares do mesmo setor, incluindo entidades de outros países. Adicionalmente, faz-se necessário mensurar de forma quantitativa; afinal, como bem dizia o escritor e professor Peter Drucker “if you can’t measure it, you can’t improve it”(o que não se pode medir, não se pode melhorar, em tradução livre);
  3.  Revisão e auditoria das informações. A revisão por terceiros, sejam eles auditores independentes ou oriundos das agências reguladoras, fornecerá um atestado de credibilidade para as informações sobre sustentabilidade empresarial. É esperado que isso gere maior confiança para aqueles que se utilizam dessas informações para a tomada de decisão.
  4. Fornecer um guia para as empresas. É comum ouvir de alguns administradores que falta um “guia” que os auxilie na forma de divulgar tais informações aos seus stakeholders. Atualmente, muitas empresas que objetivam ser mais transparentes simplesmente não sabem como fazer.

Assim, a normatização e a regulação da divulgação de informações ESG são muito bem-vindas. Como resultado do processo, a qualidade das informações irá aumentar e contribuirá para a sua utilização pelos diversos interessados.

Vale ressaltar que já se encontram em curso iniciativas que caminham no sentido de normatizar – por meio de standards – a divulgação de informações sobre sustentabilidade, entre as quais se destaca a criação do International Sustainability Standards Board (ISSB) que foi anunciada na COP 26, em Glasgow, no ano passado, com o propósito de emitir normas globais sobre divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade empresarial.

No cenário nacional, são desenvolvidos estudos para a criação de um órgão análogo ao ISSB, o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS). O CBPS será o normatizador responsável por incorporar as normas globais emitidas pelo ISSB no ordenamento pátrio. Será algo similar ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que é o órgão responsável por revisar e adaptar as normas contábeis internacionais conhecidas como IFRSs, emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB).

Um dos principais benefícios da criação do CBPS será a centralização do processo de emissão de normas de divulgação sobre sustentabilidade, além de considerar, por meio de um processo democrático, a perspectiva de diversas entidades representantes. O CBPS, quando instituído, deverá ser composto pelas mesmas entidades que fundaram e fazem parte do CPC: ABRASCA (representante das empresas), APIMEC (representante dos analistas investimentos), B3 (Bolsa de Valores brasileira), CFC (órgão de classe dos contadores), IBRACON (representante dos auditores independentes) e FIPECAFI (representante da Academia).

A regulação do tema é necessária na medida em que o ESG veio para ficar. A partir das normas e regras que disciplinem a divulgação de informações sobre sustentabilidade será possível distinguir as empresas que estão genuinamente adotando práticas mais sustentáveis daquelas que querem apenas “surfar a nova onda”. As primeiras serão seguramente premiadas com crédito mais acessível e mais barato. O greenwashing sofrerá os efeitos de práticas literalmente insustentáveis.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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