Educação

Por que os professores do Paraná estão em greve

O projeto que entrega as escolas públicas do Paraná para a iniciativa privada é o começo do fim da escola pública brasileira

Por que os professores do Paraná estão em greve
Por que os professores do Paraná estão em greve
Foto: Acervo Pessoal
Apoie Siga-nos no

O governo de Ratinho Jr. está tentando aprovar um projeto que passa a administração das escolas públicas do Paraná para empresas privadas. O PL, chamado de “Parceiros da Escola”, tem como função principal repassar a verba que seria direcionada às escolas públicas para uma empresa que vai decidir como gastar esse dinheiro.

As empresas selecionadas não investirão recursos próprios na parceria. Irão, simplesmente, pegar o dinheiro público, investir uma parte na escola e reter o restante como lucro. Não se trata, portanto, de uma “venda”, pois a venda pressupõe relação de troca. E, com a aprovação do PL, as empresas apenas passariam a gerir o caixa dessas escolas.

Esse projeto provoca várias dúvidas:

Por que não repassar essa verba diretamente para as escolas?

O governo está admitindo que não sabe gerir o dinheiro público?

Se há um problema administrativo, por que não criar vagas para administradores nas escolas?

Por que a pressa de Ratinho Jr. em passar esse PL?

O problema é que essas empresas não estão sujeitas às mesmas exigências de transparência que as escolas públicas. Na gestão pública, os gastos da escola ficam abertos no Portal da Transparência. No entanto, sob administração privada, pode haver menos acesso a esses dados, facilitando a corrupção.

Ainda assim, impera a narrativa de que as empresas privadas saberiam melhor como aplicar o dinheiro. Este argumento cai por terra rapidamente quando refletimos sobre duas coisas. Primeiro, é óbvio que ao repassar o recurso da educação para empresas, boa parte será destinada ao lucro. Consequentemente, haverá uma redução nos recursos efetivamente investidos na educação pública.

Segundo cálculos do deputado estadual Professor Lemos (PT-PR), se o projeto for implementado totalmente, pagando 800 reais por aluno, o gasto seria de 12,2 bilhões de reais por ano. O orçamento atual da Secretaria de Educação é de 11 bilhões de reais. Só com os “parceiros”, o governo gastaria 1 bilhão a mais do que o previsto para toda a educação pública paranaense.

Outro problema é a forma de contratação. O Paraná utiliza a contratação o chamado Processo Seletivo Simplificado, já repleto de problemas. Os professores PSS não têm estabilidade e precisam, anualmente, participar novamente de um processo seletivo para seguir dando aulas. Isso faz com que esses professores estejam sempre, oficialmente, no começo da carreira – e recebendo o piso salarial.

Sem dúvida, a contratação PSS é ruim. Mas, por incrível que pareça, a contratação CLT prevista no PL “Parceiros da Escola” será ainda pior.

Em primeiro lugar, o contrato pela CLT facilita a perseguição de professores, impulsionada por dois motivos principais: a maior facilidade para realizar demissões e a ausência de representação pelo sindicato dos professores estaduais, a APP-Sindicato.

Em segundo lugar, se o PSS paga sempre o piso, o regime CLT das empresas tende a seguir pagando o mínimo possível, e com descontos.

É o que temos visto com os funcionários de escola já são terceirizados, que trabalham com equipe reduzida e carga horária cheia. Tudo isso recebendo um salário mínimo, com descontos. E é por isso que a greve também está pautando a revogação da terceirização dos funcionários.

Hoje, o Paraná tem como obrigação garantir aos professores a hora-atividade. Esse período, reservado para atividades fora da sala de aula, permite aos docentes preparar aulas, corrigir trabalhos, dialogar com pedagogos sobre questões dos alunos, entre outras tarefas essenciais ao exercício da profissão.

Já a empresa “parceira” não tem essa obrigação e, para baratear os custos, tende a não oferecer hora-atividade (tende a não oferecer a hora-atividade ou, caso ofereça, será em quantidade bem menor do que a do estado). O professor vai direto para a sala de aula, sem tempo para se preparar e muito menos para acolher as necessidades individuais dos alunos.

Muito se fala que “se o professor for competente, não precisa se preocupar com o projeto”. Mas o que mede a competência de um professor? No Paraná de Ratinho Jr., a competência é medida por plataformas. Um bom professor é aquele que bate as metas de produção da plataforma, como em uma fábrica.

Professor bom é aquele que faz 3 redações no trimestre… na plataforma. Que passa pelo menos 3 exercícios por aula… na plataforma. Se você consegue ensinar seus alunos, mas não bate as metas, para Ratinho, é um péssimo professor.

Quando falamos em educação, essa lógica não faz sentido. Não é porque o aluno fez 3 redações que ele sabe escrever bem.A quantidade de atividades realizadas não é, de forma alguma, um indicador confiável da qualidade do ensino.

Com o “Parceiros da Escola”, é assim que a empresa avaliará os professores: “bateu a meta da plataforma? Bom, pode ficar. Não bateu a meta, porque estava muito ocupado ensinando? Demissão já”.

Se você não está preocupado, é melhor começar a ficar. O Paraná tem servido de laboratório maligno na área da educação e este PL, se vingar, pode se espalhar pelo Brasil. Estamos em greve porque o projeto “Parceiros da Escola” é o começo do fim da escola pública brasileira.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo