Opinião

Por que o Brasil seleciona tão mal os militares para participar de operações de paz da ONU?

Hora de pensar grande: que tal mudarmos o mundo? Poderíamos começar pelas Nações Unidas

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
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“Sou um homem como uma árvore, cheio de parasitas e passarinhos, frutos podres e folhas novas, carunchado de uns lados, dando brotos de outros, escorrendo resina e absorvendo sempre seiva nova” – Vinicius de Moraes

Então, vamos à reforma, que a primavera está chegando!

Hora de pensar grande: que tal mudarmos o mundo? Poderíamos começar pela Organização das Nações Unidas.

Na semana passada, descobrimos que o governador aprendiz de genocida de São Paulo, Tarcísio alguma coisa, integrou o batalhão brasileiro das forças de paz da ONU no Haiti.

Pobre Haiti, além de tudo por que passou e ainda passa (em parte devida à operação de paz dirigida pelo Brasil).

Não seria o caso de se abrir discussão interna sobre como o Brasil seleciona tão mal os militares para participar de operações de paz da ONU e como os Capacetes Azuis aceitam aquela escória nacional?

Pior, o governador de São Paulo, que mal conhece o estado, mas o destrói de forma contumaz, resolveu que acabar com o presente, principalmente de pobres e negros, como os dezesseis recentemente assassinados no Guarujá, não bastava. Seria necessário também destruir o futuro. Por isso, decidiu que não mais serão distribuídos livros didáticos aos estudantes paulistas.

Vale notar que o ensino público no estado já sofre de todo tipo de restrição.

O material didático distribuído atualmente é péssimo, consistindo de apostilas feitas no Paraná, com definição visual de fotocópias malfeitas, solicitações de exercícios incompreensíveis e textos que – muito contextualizados – versam, por exemplo, sobre pinguins, no Canadá…

Isso para estudantes que não apenas carecem de saber o que seja o Canadá (de fato, não podem distinguir um país de um estado ou município); onde fica ou qualquer outra referência geográfica que lhes permita algum aproveitamento do texto.

Aliás, estamos falando de alunos que desconhecem a capital do Brasil, de São Paulo ou de qualquer outro estado brasileiro ou país, do hemisfério Sul ou Norte (inclusive porque não conhecem pontos cardiais).

Mas o poço do nazifascismo é mais fundo, a confirmar o bordão de Nelson Rodrigues de que, no Brasil, o inferno tem mais um nível, abaixo.

O secretário de Educação do estado decidiu que os professores terão de apresentar relatórios periódicos sobre os conteúdos apresentados em sala, de sorte a garantir que a ideologia do Estado autoritário não venha a ser contestada.

Como o direito à educação é direito humano, expresso no artigo sexto da Constituição Federal, não caberia a arguição pelo ministro dos Direitos Humanos, junto ao Supremo Tribunal Federal, de que as medidas do desgoverno estadual violam o referido artigo, sendo, portanto, inconstitucionais? A bancada de oposição na Assembleia Estadual irá fazê-lo? Farão jus aos mandatos, salários e benesses?

A quem interessa tanta ignorância?

A resposta é simples: a quem o domínio convém – aos neocolonizadores e à sua aliada, a oligarquia local, para que o País permaneça como campeão internacional da desigualdade.

Em Che Guevara – A vida em vermelho (editora Companhia das Letras), Jorge Castañeda demonstra como o Estado serve à dominação das oligarquias estrangeiras.

No caso, se tratava da recusa por parte das petroleiras em refinarem o petróleo soviético, doado a Cuba, nos albores da revolução cubana, em 1960: “Em conluio com o Tesouro norte-americano…as empresas se recusaram a refinar o óleo cru soviético. Em 6 de julho o embaixador norte-americano, Philip Bonsal, informou em um telegrama ‘só para seus olhos’ a seu superior em Washington, sobre um encontro com Brewer: ‘A política de sua empresa [a Esso] tem sido, partindo da premissa de que o governo dos Estados Unidos não se imiscuiria no tema, que seria inevitável refinar o óleo russo, tal como desejava o governo cubano. A premissa, no entanto, era falsa. Em uma reunião realizada talvez em 3 de junho, no escritório do secretário do Tesouro, Anderson, com Tom Mann representando o Departamento de Estado e o sr. Barnes a CIA, a Texaco e a Esso foram informadas de que uma negativa a refinar o petróleo russo seria coerente com a política dos Estados Unidos para com Cuba […] Creio que o governo de Cuba intervirá nas refinarias e tratará de aumentar as entregas soviéticas […] Se conseguir operar as refinarias e manter um fluxo adequado de produtos, terá alcançado um triunfo significativo, semelhante ao do Egito quando demonstrou sua capacidade de operar o canal de Suez.”

Mas não se trata apenas da repressão política, o domínio busca estender-se também aos corpos, sendo ambas as dominações gamas de um mesmo domínio.

Em A transformação da intimidade (editora Unesp), Anthony Giddens, indaga: “Quem defende hoje em dia as ideias de Reich e Marcuse? Muito poucos, e é interessante perguntar-se por quê. Seguindo Freud, mentor espiritual desses autores, Foucault poderia dizer que eles foram absorvidos pela hipótese repressiva. Eles acreditavam que as sociedades modernas dependem de um nível alto de repressão sexual, primeiramente constatado no vitorianismo.”

Ao contrário do que acreditava o autor, é evidente que sem o vitorianismo repressor – do qual a Inglaterra ainda não se libertou, apesar dos Beatles e de Mary Quant – não teria havido Revolução Industrial, pois a hegemonia cultural repressora foi evidentemente essencial para o fordismo estandartizante, sem o qual não haveria linha de produção, em uma ponta, e consumo de massa, na outra.

Freud e Foucault estavam certíssimos: ainda hoje explicam o Ocidente, o Brasil e o triste estado de São Paulo.
Mas abramos as janelas, que a primavera vai chegar, com flores, pássaros e eleições renovadoras, inclusive em São Paulo!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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