Natália Pereira Veroneze

Advogada feminista - OAB/SP 456.897

Opinião

Por que o BBB errou ao expor Dania durante a expulsão de Cara de Sapato e Guimê

Aqui, do lado de fora, a falta de cuidado com as vítimas de crimes contra a dignidade sexual pode ser fatal

Créditos: Reprodução Globoplay
Apoie Siga-nos no

A revitimização acontece quando uma vítima de violência é submetida a mais danos ou traumas como resultado do processo judicial ou do tratamento que recebe depois de relatar o abuso. Isso pode acontecer de várias maneiras, incluindo a falta de crença na vítima, a culpabilização da vítima ou a falta de apoio emocional durante o processo judicial. Mas e quando a vítima estava confinada em uma casa cheia de câmeras e sequer teve dimensão do crime que sofreu? Também pode sofrer “revitimização” ao receber a notícia da expulsão de seus abusadores?

A resposta é sim! Convido vocês a pensarem no porquê. No caso que foi evidenciado no Big Brother Brasil, envolvendo os participantes Cara de Sapato e MC Guimê – expulsos da competição após ampla comoção nacional por terem importunado sexualmente a participante Dania – tivemos uma dimensão de como a culpa opera na psique feminina.

Dania, ao ouvir sobre a expulsão, começou a chorar e repetir que o desfecho não era ‘sua culpa’. Aos prantos, disse que não gostaria ter prejudicado os participantes e se preocupou com o destino deles. A equipe do BBB e as outras participantes fizeram um esforço para acalmá-la, dizendo que nada daquilo seria culpa dela, mas ela claramente estava muito abalada com toda a situação.

É importante ressaltar que, no crime de importunação sexual, a investigação por via judicial depende da vontade da vítima. Ou seja: o Ministério Público só entra em ação depois que a vítima determina. Os crimes contra a dignidade sexual tem essa dinâmica porque, em muitos casos, as mulheres podem se sentir ainda mais ameaçadas com o início de uma investigação contra seus abusadores – e muitas vezes temem represálias que podem ser piores do que o crime em si.

Já as regras do BBB, partem da premissa de que os participantes não podem ter acesso às informações de fora do confinamento, abrindo caminho para que Guimê e Cara de Sapato fossem expulsos sem que o nome de Dania tivesse sido mencionado. Tadeu poderia ter dito “vocês estão expulsos por cometer um crime contra uma participante” e a identidade de Dania poderia ter sido preservada, ao menos para seus colegas de confinamento. A equipe também poderia ter perguntado para ela como ela gostaria que o anúncio fosse feito.

Aqui, do lado de fora, essa falta de cuidado com as vítimas de crimes contra a dignidade sexual pode ser fatal. Imaginem que uma funcionária esteja denunciando seu patrão e que toda a empresa fique sabendo sobre o motivo de seu afastamento e o nome da funcionária. Será que ela teria a mesma paz depois disso?

A revitimização, quando acontece em delegacias ou durante um julgamento, pode ser caracterizada como violência institucional, segundo a Lei 14.321 de 31 de março de 2022, fruto de um desdobramento legislativo do “caso Mariana Ferrer”, para prevenir “situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização” para vítimas.

No caso da Dania, quem causou esse sofrimento foi a equipe de TV. Logo, não podemos falar em violência institucional – mas isso não nos impede de faze uma leitura crítica sobre como abordar as vítimas de violência.

É sempre importante lembrarmos: a culpa nunca é da vítima. E é igualmente importante que a sociedade seja tão treinada para identificar a revitimização como para identificar o crime em si. Dignidade sexual mexe fundo com nossos sentimentos. Todo cuidado é bem vindo quando estamos diante de vítimas desses crimes.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo