Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

Por que o aumento da Covid-19 no Reino Unido merece nossa atenção

As fases da pandemia no país europeu precedem o que se vê depois em outros lugares

(Foto; Wanezza Soares) Drauzio: “Se temos drogas de alta potência contra o HIV, por que não podemos desenvolver para a Covid-19?”
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A atenção dos cientistas está, neste momento, voltada para a disseminação da Covid-19 no Reino Unido. A revista Nature ouviu especialistas do mundo inteiro para discutir esse tema, relevante porque várias vezes a pandemia inglesa precedeu o que veio a acontecer em outros países.

Por exemplo, a variante Alfa foi detectada pela primeira vez no Reino Unido e o país relatou casos provocados pela variante Delta, altamente contagiosa, antes que eles se espalhassem pelo mundo. O Reino Unido, além disso, foi o primeiro país a descrever a onda atual de infecções que novamente transformaram a Europa em epicentro da epidemia atual.

Depois de implantar um dos programas mais eficientes de vacinação em massa, a Inglaterra foi dos primeiros países a suspenderem quase todas as restrições anteriormente impostas pela Covid-19. O distanciamento social e o uso de máscaras foram abolidos em julho deste ano. Apostar todas as fichas na vacinação e na responsabilidade individual fez do Reino Unido um experimento social de interesse para outros países.

 

Apenas entre julho e outubro deste ano, houve 3 milhões de novas infecções no Reino Unido, número comparável ao das que ocorreram no fim de 2020, em plena vigência do lockdown inglês. Difícil encontrar explicação, se lembrarmos que naquela época não havia vacinas e que agora quase 80% dos adultos foram imunizados com duas doses.

Os índices de transmissão no ­Reino Unido são mais elevados do que no resto da Europa. Na semana de 17 a 23 de outubro, por exemplo, a Espanha contabilizou 286 infecções por 1 milhão de habitantes, a Alemanha 1.203, enquanto no Reino Unido houve 4.868. Esses dados ensinam ao mundo que a transmissão do vírus não será controlada apenas com vacinas. Levantar as restrições tão precocemente não terá sido um equívoco? O comportamento da sociedade seria responsável pela onda atual?

Hoje, a média de contatos interpessoais entre os ingleses é de 3 a 4 pessoas por dia; antes da pandemia eram mais de dez. O uso de máscaras também foi reduzido depois que as restrições foram oficialmente suspensas. É muito provável que a liberação de eventos públicos em ambientes fechados tenha contribuído para os altos índices das transmissões. Esses dados sugerem que a pressa em eliminar restrições pode causar novas ondas, mesmo quando grande parte da população já está imunizada.

Outra alternativa para explicar o aumento do número de casos seria a queda progressiva da concentração de anticorpos protetores induzidos pela vacinação. Como o Reino Unido foi o primeiro, na Europa, a instituir campanhas de imunização, a proteção induzida pela aplicação teve mais tempo para cair. Um estudo conduzido no país mostrou que, depois de seis meses, a eficácia da vacina fica reduzida, especialmente nas pessoas com mais de 60 anos. Um estudo em Israel obteve resultados semelhantes.

Embora a variante Delta seja mais contagiosa, as vacinas continuam protegendo contra as hospitalizações e os óbitos. Entre julho e outubro deste ano, houve 75 mil internações, ante 185 mil entre outubro e janeiro de 2021. Relativamente ao número de habitantes, o ­Reino­ Unido tem três vezes mais infecções do que os Estados Unidos, entretanto dois terços de mortes diárias.

 

A administração da terceira dose parece conferir mais proteção ainda do que os cientistas ingleses esperavam. Estudo recente, realizado em Israel, demonstrou que, cinco meses depois de haver recebido a terceira dose da vacina Pfizer, o risco de desenvolver doença grave tinha caído 20 vezes e o de ser infectado, dez vezes.

Entrevistado pela Nature, Marc ­Baguelin, do Imperial College de Londres, especialista em modelagem epidemiológica, disse que as previsões mais otimistas, baseadas no comportamento social e na eficácia das vacinas, permitem prever números altos de novas infecções até março de 2022. Nesse período deverão ocorrer cerca de 43 mil hospitalizações e mais de 5 mil mortes no Reino Unido.

A chegada do inverno europeu é uma preocupação a mais. A ampliação das aplicações da terceira dose é agora muito mais necessária. O anúncio feito pela Merck e pela Pfizer de duas drogas capazes de reduzir o número de internações e de mortes, quando administradas até cinco dias contados a partir do surgimento dos primeiros sintomas, torna o tratamento precoce uma realidade capaz de mudar o curso da epidemia mundial, ao lado das vacinas, é claro.

Publicado na edição nº 1184 de CartaCapital, em 19 de novembro de 2021.

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