Opinião

Por que a extrema-direita tem tanta dificuldade em entender Paulo Freire

Avessos ao aprendizado, ao diálogo, sentem-se agredidos por toda e qualquer manifestação de diferença, seja de opinião, seja de gênero etc

Créditos: Instituto Paulo Freire
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“As pessoas inteligentes estudam a fim de saberem mais. As pessoas sem mérito estudam para se tornarem mais conhecidas.” – Sabedoria oriental

Na meritocracia, não é possível diálogo.

De fato, por aquela falsa premissa, cada um dos interlocutores tenta provar mais mérito do que o outro, transformando o que deveria ser troca em competição, antítese do intercâmbio, da construção conjunta, do prazeroso aprendizado mútuo.

Talvez, esse seja um dos motivos pelos quais a extrema-direita tem tanta dificuldade em entender Paulo Freire e aceitar que o processo de aprendizagem passa pelo processo dialógico, do prazer em trocar.

Avessos ao aprendizado, ao diálogo, sentem-se agredidos por toda e qualquer manifestação de diferença, seja de opinião, seja de gênero etc.

No dia 2 último, presenciei algo impressionante: na chegada ao aeroporto de Brasília, havia indígenas, claramente manipulados, enrolados em bandeiras brasileiras.

Atrás deles, vinham fazendeiros e capangas gritando despautérios contra Lula e o PT.

Um jovem reagiu e foi perseguido, agredido pela turba insana.

A polícia apenas assistia, até que eu e uma família de passageiros os instamos a moverem-se.

Um absurdo, uma vergonha, um trauma mesmo.

Vindo do Sul, de carro até São Paulo, enfrentara grande congestionamento e, por alguns minutos, fiquei ao lado de caminhão com uma carga de patos vivos, sofrendo terrivelmente no calor, sem acesso a água ou alimentação.

Ao ver aquela matilha bolsonarista, lembrei-me do caminhão de patos que, em toda a sua infelicidade, eram mais felizes do que aquela horda desprovida de qualquer poder de julgamento ou discernimento.

Quiçá o pior a ser perdido é o rumo, a direção, o próprio leme da vida.

Mas, se o viver é feito de maus encontros, mais fazível é dos bons.

No Centro Cultural Missionário, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), coincidimos com a reunião da Pastoral Carcerária.

Que lindo trabalho fazem!

Pelos descerebrados bolsonaristas, alguns deles também foram hostilizados no aeroporto.

Como podem se considerar cristãos aqueles que se opõem aos que visitam os privados de liberdade, se o próprio Cristo assim justificara a exclusão dos que ficariam de fora do céu: “Estive preso e não me visitastes”.

Por outro lado, que linda é a vida quando nos proporciona partilhar espaços, conversas e celebrações com pessoas que fazem um trabalho dessa qualidade humana!

Em conversa com o representante do Rio Grande do Sul, o padre Eduardo Haas, eu me lembrei de um episódio que me marcara muito: a combativa deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) – em quem sempre voto – convidara para debate sobre direitos humanos, no centro de Porto Alegre.

No inverno gaúcho, pouca vontade dá de sair à noite, menos ainda para o centro de nossas capitais, notoriamente escassos de segurança.

Entretanto, fui e não me arrependi. Ao ouvir o depoimento de um ex-presidiário, a minha bolha mental furou-se: ele disse que a primeira vez que tivera acesso a um livro fora na prisão.

Se isso não é simbólico da nossa falência como país, pergunto o que mais se faz necessário para provar.

Filho da classe média, compro livros (em quantidade maior do que consigo ler) desde os treze anos. Praticamente, leio um por semana.

Como podemos nos considerar uma nação, em meio a tal disparidade?

Ao relatar essa passagem ao padre Eduardo ouvi dele, instantaneamente, uma proposta que deixo para a deputada Maria do Rosário, ex-ministra dos Direitos Humanos: a leitura como remissiva de pena.

O objetivo da cadeia não é ressocializar? O que nos permite adquirir mais conhecimentos e reflexões do que um livro, que dispensa tomadas, conexões ou qualquer outro suporte?

Para ficar no âmbito cultural do Rio Grande do Sul – embora pecando por bairrismo – vale citar “Vila Sapo” (editora Todavia), do excelente José Falero, um dos melhores jovens escritores brasileiros da atualidade: “É curioso ter consciência dessa irreversibilidade da evolução tecnológica. Sim, é curioso, porque em contraste, o desenvolvimento humanitário nem de longe se sustenta com a mesma facilidade e firmeza…Nada oferece resistência à dádiva dos circuitos integrados, nem oferecerá à produção em massa de processadores quânticos, mas a empatia, a sensibilidade, a solidariedade, a benevolência, o amor e tudo o mais que nos eleve acima da barbárie são coisas que estão sempre em apuros, desgastando-se numa luta eterna contra a má-fé e o espírito de porco. A diferença salta aos olhos. A tecnologia é como uma atleta jovem e incansável correndo livre e desimpedida, sem parar, numa maratona sem fim, indo cada vez mais longe sob vigorosos aplausos e gritos de incentivo; a humanidade, coitada, não passa de uma senhora aposentada e enferma da qual ninguém mais quer saber, já com sérias dificuldades para respirar, já com sérias dificuldades para ouvir, já com sérias dificuldades para ver, já com sérias dificuldades para seguir em frente, às vezes levada de volta para trás por qualquer vento mais forte; uma senhora que ninguém em sã consciência apostaria que possa chegar viva até a próxima esquina.”

Hora de reavivar a consciência, o diálogo a humanidade!

Deixar as brisas novas entrarem! Velas cheias, de vento e luz!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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