Monica Seixas

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Co-deputada estadual em São Paulo com a Bancada Ativista e o PSOL.

Opinião

Populismo penal e a “defesa” hipócrita da classe policial

Os políticos que aplaudem o massacre de Paraisópolis são os que atacam os direitos trabalhistas dos policiais

O governador de São Paulo, João Doria (Foto: Governo do Estado de São Paulo)
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Doria, Bolsonaro, Witzel e outros políticos de extrema direita adoram dizer que “apoiam os policiais”, mas não perdem a oportunidade de atacar os direitos dos servidores da Segurança Pública. Nos últimos anos, especialmente no que se refere ao direito à aposentadoria digna.

Vejamos que irônico o que está acontecendo neste momento em São Paulo: na madrugada do domingo 1, nove jovens foram assassinados na favela de Paraisópolis durante uma operação policial pavorosa.  Na segunda 2, Doria rasgou elogios à atuação da Polícia Militar, afirmou que as “operações pancadão” em bailes continuariam e  ainda endossou a versão – que agora parece não restar dúvidas de que era mentirosa – de que as mortes teriam sido causadas por pisoteamento após confusão gerada por supostos disparos feitos por criminosos ao fugir da polícia.

Após repercussão negativa, Doria mudou o tom. Ainda assim, a sua primeira reação estava mais condizente ao tom que o governador assumiu desde a campanha eleitoral, quando disse que pagaria os melhores advogados para defender policiais assassinos e que, em seu governo, a polícia iria atirar para matar.

Qual o objetivo dessas declarações? Doria estaria preocupado com os policiais? Não se iluda! O mesmo governador encaminhou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) – melhor dizendo, impôs para que fosse aprovada de forma atropelada, sem debate ou embasamento técnico – uma reforma da Previdência que ataca direitos fundamentais dos servidores públicos, inclusive os da Segurança Pública.

Os policiais militares ficaram de fora, mas policiais civis, agentes penitenciários e outras categorias terão, por exemplo, que contribuir por 40 anos para usufruir de 100% do valor de sua aposentadoria, o que, mesmo neste caso, será menor do que atualmente, pois será equivalente à média de todas as contribuições, não mais referente ao último salário. Isto sem falar na alíquota de contribuição, que passará de 11% para 14% do salário.

Além de representar um desastre para a vida desses trabalhadores e suas famílias, a reforma da Previdência pode causar sérios danos à Segurança Pública. Vejamos o exemplo da Polícia Civil: um terço dos policiais civis paulistas já cumprem os requisitos necessários para se aposentar e cerca de 60% possui mais de 45 anos de idade.

Assim, a aprovação da reforma traria dois efeitos possíveis e prováveis: alguns policiais correriam para pedir suas aposentadorias para fugir dos efeitos da reforma, esvaziando várias delegacias; e outros seriam condenados a trabalhar muitos anos a mais do que o planejado para, no futuro, ganhar aposentadoria bem menor do que a esperada.

O envelhecimento médio da categoria dos policiais civis é resultado de anos de sucateamento da pasta. Mas a deterioração da Polícia Civil não se reflete apenas na falta de concursos públicos suficientes para repor o quadro funcional. Basta visitar qualquer delegacia de São Paulo para observar que não há materiais mínimos para o exercício das atividades. E não me refiro a sofisticados materiais de investigação e inteligência, mas sim de aparelhos de telefone, computadores e – pasmem! – rolos de papel higiênico.

O que o “populismo penal” – como alguns chamam o discurso de políticos como Doria, que se aproveitam do estado de violência permanente existente em nosso país para proferir discursos de ódio baseados no racismo, na intolerância e na violência – deseja não é mais segurança, mas o contrário disso: a promoção de um verdadeiro genocídio contra negros e periféricos, com a finalidade de aterrorizá-los.

O filósofo camaronês Achille Mbembe chamou esse fenômeno de necropolítica, que seria caracterizado pela transformação das pessoas que habitam certos lugares do mundo em “mortas-vivas”, isto é, como se suas vidas valessem menos do que a dos demais, o que justificaria sua eliminação a qualquer momento. Ao reparar a insensibilidade com que muitos trataram o massacre de Paraisópolis, inclusive culpando a própria manifestação cultural dos jovens da periferia, entendemos sobre o que ele fala.

Ainda de acordo com Mbembe, o objetivo da necropolítica seria aterrorizar principalmente as pessoas negras, para condicioná-las à intensificação da exploração empreendida pelo capitalismo contemporâneo, numa espécie de retomada da escravidão. Dessa forma, o papel dos policiais não é o de investigar e prevenir crimes para assegurar os direitos da população, mas o de bater, prender, ameaçar e matar pretos e pobres a serviço da elite.

É por isso que se explica, inclusive, a discrepância de investimentos entre a Polícia Civil, que investiga, e a Polícia Militar, que reprime. Não há lógica nessa diferença de investimentos, a não ser que a política de Segurança Pública seja pautada prioritariamente pela pura repressão ao que se considera “suspeito”.

Vale lembrar que os próprios policiais acabam sendo vítimas da violência que são incitados a praticar. A polícia brasileira é não só uma das que mais mata, mas também uma das que mais morre no mundo. Ainda mais chocante é o fato de que o suicídio entre policiais – justamente em função do contexto de violência, péssimas condições de trabalho e salários baixos – supera o número de homicídios.

Essas variáveis estão todas relacionadas. Quanto mais violenta é a polícia, mais violência ela tende a sofrer. Além disso, de acordo com essa lógica, não há qualquer preocupação em melhorar as condições de trabalho. Na verdade, quanto mais infernal for sua vida, melhor. Assim, ele agirá de forma violenta e irrefletida, como se espera dele. Nem mesmo o direito de se aposentar de forma digna parece ser preocupação do governador, pelo contrário. Doria ordena que policiais matem, morram e não se aposentem, enquanto usufrui do conforto de sua mansão nos Jardins.

Portanto, o populismo penal faz uma “defesa” hipócrita dos policiais. Pois eles não precisam de incitação à violência, de acobertamento de seus crimes ou de honrarias que os tratem como heróis, por mais que isso tudo agrade muitos desses indivíduos.  Policiais precisam ser tratados como os trabalhadores que são: portadores de direitos e deveres. Necessitam, por exemplo, de valorização da carreira, aposentadoria e salário dignos, jornada de trabalho que preserve o direito ao descanso, etc. Quando esta é a tarefa, os tais “defensores da polícia” somem de cena.

Muitos da categoria parecem já ter feito essa reflexão. Como esquecer dos corredores da Câmara dos Deputados tomados de policiais gritando “Bolsonaro traidor!” durante a tramitação da reforma da Previdência nacional? O mesmo parece estar ocorrendo em São Paulo. Nunca deixarei de denunciar violações a direitos de qualquer trabalhador – policial ou não. Seguiremos na defesa de uma política de Segurança Pública que priorize a preservação do direito de viver. Nesta luta, podem contar comigo.

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