

Opinião
Políticas de saúde
A ciência avança rapidamente, mas o grande desafio é fazer com que as novidades beneficiem gente de todos os estratos sociais


Quando criança, eu costumava assistir a desenhos animados que falavam sobre o futuro. Me lembro agora de um desses desenhos, cujo nome era O Laboratório Submarino, que começava com a seguinte frase: “Estamos no ano de 2020”.
Nele, o futuro era abordado como uma época em que a ciência reinaria absoluta na sociedade e seria acessível a todos. Com respeito e integração ao meio ambiente, os episódios mostravam a convivência harmoniosa entre idosos, jovens e crianças, que, juntos, aprendiam e faziam descobertas, mudando a realidade e a vida da coletividade para melhor.
Meu pai me acostumou a ler o jornal com ele desde cedo e, por isso, desde pequena me envolvia com as notícias de nosso país e do mundo. Via a fome e a seca no Nordeste, mostradas em histórias tristes, as guerras pelo mundo, a ameaça nuclear etc.
Pois bem. Estamos no ano de 2024 e, mesmo ainda ofuscada por tanta convulsão social, a ciência avança rapidamente e o grande desafio atual é fazer com que esses avanços cheguem e beneficiem a todos os estratos da sociedade mundial.
Dentre essas descobertas, a revolução no tratamento da obesidade tem-se destacado. A obesidade é um problema global grave e tem aumentado sobremaneira, principalmente na população de baixa renda. A falta de acesso a alimentação de qualidade, a ingestão de ultraprocessados e carboidratos e o sedentarismo, além de fatores ambientais, como a exposição à poluição do ar, têm piorado a situação.
Pela primeira vez na história do tratamento da obesidade, surgem drogas realmente revolucionárias, mas ainda inacessíveis financeiramente à grande maioria da população. Essas drogas, como a semaglutida e, mais recentemente, a tirzepartida mimetizam peptídeos e hormônios responsáveis pela saciedade, controlando o apetite e melhorando os níveis de glicose e gordura no sangue.
Elas representam um impacto gigante em doenças relacionadas à obesidade, como diabetes e hipertensão, e, por consequência, nas doenças cardiovasculares como o AVC e o infarto do miocárdio.
Os custos estimados pelo governo britânico para tratar essas complicações no sistema público de saúde deles, o NHS, beira os 11 bilhões de libras ao ano. Imagine esse custo no nosso SUS, com uma população cerca de quatro vezes maior.
Os estudos no Reino Unido mostram que a obesidade é causadora de quatro vezes mais faltas ao trabalho e que é um importante fator de desemprego. Além disso, uma vez desempregado, o obeso tem maior dificuldade em voltar ao trabalho e torna-se dependente de auxílio social, o que tem piorado os indicadores econômicos daquele país.
De maneira pioneira e com uma visão estratégica de futuro, o governo britânico lançou este mês um estudo em parceria com o laboratório Lilly para avaliar o impacto do uso da tirzepartida na empregabilidade dos britânicos que enfrentam a obesidade.
A tirzepartida tem mostrado efeitos análogos ao da cirurgia bariátrica, com perdas ponderais de 20% a 30%, revertendo e mantendo os pacientes fora dos níveis mórbidos de obesidade. O investimento no estudo será de 279 milhões de libras, em parceria público-privada com a Lilly Farmacêutica, ao longo de cinco anos.
A ideia é mostrar que esses medicamentos são de interesse social e podem reduzir os custos dos serviços públicos de saúde pelo mundo, melhorando não só a qualidade de vida das pessoas, mas também os índices econômicos e de empregabilidade. A hipótese é que seria muito mais barato impedir a instalação de diabetes e hipertensão do que fornecer esses novos medicamentos na rede pública. A quebra de patente dessas drogas seria o passo seguinte.
Mas, além de dar direito ao acesso a essas drogas pelo sistema público de saúde, o governo britânico vai investir em campanhas maciças de educação para a saúde que são tão ou mais importantes que os tratamentos e que devem começar na infância, nas escolas, com a promoção de hábitos saudáveis de vida.
O ministro da Saúde britânico, Wes Streeting, afirmou à BBC: “O investimento de hoje deve ser visto como um sinal em todo o mundo da determinação deste governo em tornar a Grã-Bretanha uma potência para as ciências da vida e tecnologia médica. Ao combinar o cuidado do NHS e a engenhosidade das principais mentes científicas do mundo, podemos transformar a saúde em uma riqueza de nossa nação”.
Está aí um exemplo a ser seguido. •
Publicado na edição n° 1335 de CartaCapital, em 06 de novembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Políticas de saúde’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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