Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

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São infundados e inaceitáveis os ataques desferidos contra a ministra da Saúde, Nísia Trindade

A ministra da Saúde, Nísia Trindade. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Mal começou o ano e o tiroteio sobre a ministra da Saúde, que havia arrefecido desde que o presidente Lula fez enfática defesa de Nísia Trindade durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde, parece ter sido retomado com intensidade, inclusive com “fogo amigo”. Os motivos alegados variam. Exigências impostas para a liberação de emendas parlamentares, críticas sobre a gestão da rede hospitalar federal no Rio de Janeiro e até uma infundada ilação de favorecimento a uma prefeita do PL.

Para quem não acompanha os meandros da gestão pública, vale elucidar alguns aspectos. A emenda individual é uma modalidade de designação de uma parte do orçamento de um ministério feita por um parlamentar. O deputado ou senador indica uma prioridade. O Executivo avalia sua prioridade, pertinência e factibilidade.

No Brasil, desde 2014, instituíram-se constitucionalmente as emendas impositivas. Um porcentual de recursos do orçamento, maior a cada ano, deve obrigatoriamente ser executado. Metade obrigatoriamente na saúde. Esses recursos são transferidos e executados pelas prefeituras, governos estaduais, pelo Ministério da Saúde ou entidades sem fins lucrativos.

Neste ano, 25 bilhões serão destinados às emendas individuais impositivas. Cada deputado poderá indicar 37,8 milhões e cada senador 69,6 milhões para emendas individuais (metade na saúde). Além disso, terão 11,3 bilhões para emendas de bancada (418 milhões por estado) e 16,7 bilhões para emendas de comissão.

Para obras e equipamentos, o Ministério da Saúde vem tendo, a cada ano, desde 2018, cerca de 5 bilhões de reais. Os gastos com emendas individuais cresceram de 4,4 bilhões, em 2014, para 12,5 bilhões em 2024. Coordenar o uso desses recursos é legítimo e fundamental. Se uma região já possui um serviço de alta complexidade em oncologia completo, não cabe uma nova radioterapia, mas ela pode precisar de investimentos no centro cirúrgico ou na UTI. Não raro, a designação dos recursos ocorre de forma descolada das prioridades definidas pelos gestores do SUS, onerando e desorganizando o sistema de saúde em vez de solucionar problemas. Na área da saúde, os custos para manter um serviço são superiores aos valores necessários para sua construção ou compra de equipamentos.

Medidas que aprimorem o uso das emendas são necessárias, salutares e auxiliam os parlamentares a definir o que é melhor para a população. É, portanto, difícil entender as críticas feitas ao Ministério da Saúde por tentar garantir mais transparência e eficiência no uso dos recursos, como o aval prévio de comissão formada por gestores de saúde dos municípios e do estado, em cada região de saúde, para validar a necessidade e a viabilidade das ações previstas na emenda. Isso aprimora a qualidade do gasto.

Com a criação do SUS e a extinção do Inamps, o Ministério da Saúde transferiu a gestão direta de serviços para estados e municípios. Mas há duas exceções: o Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre, e a rede composta de seis hospitais gerais e três institutos (Câncer, Cardiologia e Ortopedia) na cidade do Rio de Janeiro, heranças do tempo em que ainda era capital federal e de um processo complexo e inconcluso de descentralização.

A recuperação dessa rede, após anos de abandono e desmonte, está em curso, com avanços positivos no último ano, como a reabertura de mais de 300 leitos, o aumento do número de cirurgias, de consultas ambulatoriais e transplantes renais, além de obras importantes, como o novo setor de quimioterapia e radioterapia do Hospital Federal do Andaraí.

O Complexo Hospitalar da UFRJ deverá passar para a gestão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), com recursos destinados no PAC para ampliação da oferta de serviços e recuperação da estrutura predial. Há previsão de investimentos também para o Instituto Nacional do Câncer e outras unidades hospitalares.

Ao discutir propostas que visem modernizar, qualificar e dar mais transparência à gestão desses hospitais, que mobilizam volumosos recursos, a atual gestão do Ministério da Saúde mexe com interesses historicamente consolidados. Essas ações de fortalecimento e recuperação dos hospitais precisam ter continuidade, ainda que firam interesses, alguns inconfessáveis.

O Ministério da Saúde, a partir de 2023, voltou a desempenhar papel estratégico e fundamental para garantir o direito à saúde com qualidade para a população brasileira. E agora, com financiamento mais adequado, enorme visibilidade e capilaridade, é cada vez mais cobiçado por diferentes forças políticas. São infundados e inaceitáveis os ataques que têm sido desferidos contra a pasta e a ministra. Não é hora de retrocessos. •

Publicado na edição n° 1294 de CartaCapital, em 24 de janeiro de 2024.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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