Opinião

Periferias fora do mapa: um manifesto por informações sobre mortes por covid-19 em SP

Exigimos mais transparência pública, regularidade diária e amplitude por distritos e grupos sociais

Periferias fora do mapa: um manifesto por informações sobre mortes por covid-19 em SP
Periferias fora do mapa: um manifesto por informações sobre mortes por covid-19 em SP
Grajaú, na zona sul de São Paulo (Foto: Augusto Diniz)
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A pandemia da covid-19 assola a população mundial. Já são mais de 280 mil óbitos em decorrência desta doença. No Brasil, os números a cada dia são mais assustadores. Apesar do problema patente da subnotificação, já são mais de 11 mil mortes.

A cidade de São Paulo que representa em torno de 5% do total da população brasileira, com a triste marca de mais de 2 mil mortes devido ao coronavírus, concentra quase 20% dos óbitos. Esta cidade, marcada por históricas desigualdades socioespaciais, onde a riqueza de alguns nas áreas mais centrais contrasta com a pobreza das periferias urbanas. Essa condição nas periferias urbanas se revela na insuficiência de infraestrutura e serviços públicos, em especial, na saúde pública, que torna estes territórios mais vulneráveis aos seus moradores.

Essa constatação, somada ao fato de que poucas pessoas nas periferias estão dando a devida atenção a necessidade do isolamento social, nos preocupa desde o final de março. Por estas motivações começamos a produzir e divulgar uma série de mapas enfatizando essas desigualdades socioespaciais nas periferias, em termos de distribuição de hospitais, leitos hospitalares em relação à densidade demográfica, renda, raça, gênero entre outros temas. Assim, com vistas a auxiliar a articulação das pessoas que estavam na linha de frente do combate ao coronavírus nas periferias urbanas, especialmente, na Zona Leste, onde somos moradores.

Porém, começamos a nos deparar com uma ausência de dados elaborados por parte da PMSP, que publicou o primeiro Boletim “semanal” covid-19 sobre óbitos decorrentes do coronavírus somente no dia 31 de março. Todavia, este apresentou pelo menos dois problemas já que, em primeiro lugar, os dados apresentados eram insuficientes para uma análise mais detida e, em segundo, foi o mapa dos óbitos divulgado por Subprefeitura.

Entendíamos que era necessário um maior detalhamento por grupos sociais (gênero, faixa etária, escolaridade e raça) e por distritos (maior detalhamento do que por Subprefeitura). Posteriormente, a PMSP publica nos dias 07 e 13 de abril, respectivamente, mais dois mapas de óbitos da covid-19 por distritos. Entretanto, estes foram divulgados via imprensa. E somente no dia 17 de abril, publica em seu site um novo boletim “semanal”, com os óbitos decorrentes da covid-19 representados por distritos, destacando os contágios por grupos sociais em termos de gênero e faixa etária, porém ainda sem considerar raça e escolaridade. 

Foi assim que antes mesmo deste último Boletim, no dia 15 de abril, lançamos via redes socais um manifesto exigindo informações sobre óbitos e infectados por covid-19 nas periferias urbanas, através da divulgação de dados diários sobre os óbitos e infectados por distritos e grupos (raça, gênero, escolaridade e faixa etária) na cidade de São Paulo, com o objetivo principal de informar o avanço desta doença às populações que vivem nas periferias urbanas.

É importante destacar que a divulgação dos mapas de contágio e óbitos por distritos na cidade de São Paulo no Boletim Covid-19 do dia 17, foi importante para corroborar com alguns alertas que já estávamos tentando debater a respeito da desigualdade e vulnerabilidade nas periferias urbanas. Isso porque, ficou evidente que a maior parte das pessoas contaminadas estão nas áreas mais centrais e ricas, porém as pessoas que mais morreram viviam nas áreas mais periféricas e pobres. Ou seja, com isso foi possível apontar com mais segurança a desigualdade socioespacial como um fator que aumenta a letalidade do coronavírus nas periferias urbanas da cidade de São Paulo.

O manifesto ficou aberto para assinaturas de forma online até o dia 19 de abril, contou a divulgação de colegas mais próximos e ganhou uma proporção grande representada pela participação numerosa e qualificada de 133 assinaturas. As pessoas que assinaram foram, basicamente, membros de instituições públicas e privadas, organizações não governamentais, coletivos, artistas, lideranças, intelectuais, professores e pesquisadores. No dia 20 de abril, este manifesto foi enviado a PMSP via Lei de Acesso à Informação (LAI), com prazo de retorno marcado para acontecer até dia 10 de maio. Uma reverberação ainda maior se deu no dia 22 de abril com a divulgação de uma matéria sobre esse manifesto no site Periferia em Movimento.

Uma semana depois da divulgação do Boletim publicado no dia 17 de abril, fomos consultar o site e notamos que o Boletim do dia 24 do mesmo mês, para nossa surpresa, não estava público. Tivemos acesso a este documento somente via terceiros, onde pudemos verificar que desta vez divulgaram os dados de contágio e óbitos por raça, sendo possível constatar que a população negra é proporcionalmente mais vulnerável ao coronavírus. Mas os outros grupos como gênero e faixa etária foram divulgados apenas por contágios e com uma metodologia de apresentação diferente em relação ao boletim anterior.

Este relatório foi atualizado com algumas nuanças e publicado no site da PMSP como boletim “quinzenal” de 30 de abril, ou seja, ampliando ainda mais a periodicidade de informações em meio à pandemia. É importante relatar que a PMSP, desde o dia 23 de abril divulga boletins diários, mas com informações insuficientes, sem dar conta de informar por distritos e grupos sociais. No dia 8 de maio recebemos o retorno inócuo e incompleto da PMSP através da LAI “Os dados analisados e publicados estão no endereço eletrônico”.

Neste manifesto exigimos mais transparência pública, regularidade diária e amplitude por distritos e grupos sociais (gênero, raça, faixa etária e escolaridade) para que estas informações auxiliem na prevenção e conscientização ao enfrentamento a Covid 19 nas periferias urbanas da cidade de São Paulo. E, além disso, essas informações mais precisas podem ajudar a sociedade civil, organizada em associações e coletividades, pressionar os governos tomarem ações para a instalação de instalação de hospitais de campanha, condições dignas aos trabalhadores da saúde e renda mínima aos seus moradores que se encontram em situação de maior vulnerabilidade.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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