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Opinião

Pensar no próximo governo como ‘Bolsotemer’ é um erro

Atual e futura gestão representam grupos bem distintos de atores políticos

Temer e Bolsonaro tem menos em comum do que pode parece
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O período do pré governo Bolsonaro, aparentemente, demonstra uma grande simbiose com o quase saído governo Temer. Mas a possibilidade de um governo “Bolsotemer” parece correta no particular e equivocada no essencial. Apesar de integrarem o mesmo processo de golpe continuado, a natureza destes governos exige um olhar cuidadoso, que não induza a oposição do campo democrático a erro grave de perspectivas e de ação.

Michel Temer refletiu o encontro da necessidade desesperada de sobrevivência da oligarquia política decadente, acuada pelas denúncias de corrupção, com a emergência da “nova” agenda neoliberal, pós crise econômica de 2008.

Alçado à presidência da República, em 2016, por um golpe de novo tipo e uma intervenção violenta do mercado internacional e da elite local sobre a democracia e o Estado brasileiro, Temer garantiu a manutenção do poder e a proteção a si e aos seus. Ofereceu, em contrapartida, a aplicação das políticas de ajuste fiscal, privatizações, redução do Estado, reformas trabalhista e previdenciária, retirada de direitos, cortes orçamentários, entre outras, que haviam sido rejeitadas pela população nas eleições de 2014.

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Jair Bolsonaro, antes de vencer a esquerda e o PT nas eleições de 2018, derrotou a própria centro-direita política ao mobilizar os ódios difusos que inundavam o imaginário popular em um cotidiano de falsificação da verdade, violência, intolerância, desemprego, denúncias de corrupção e desesperança promovida pela grande mídia, o empresariado, e parte expressiva que tem hegemonizado o institucionalismo disfuncional conservador (Ministério Público, Judiciário, Tribunal de Contas da União, Polícia Federal).

A tempestade perfeita que o psdbismo ilustrado sonhava capturar com a campanha de cassação do mandato da presidenta Dilma Rousseff. A ausência de um vértice político da centro-direita partidária orgânica, e de um projeto claro de nação, para além do objetivo de retirar o PT do poder, permitiu a ascensão de grupos extremistas de direita, como o MBL e a família Bolsonaro. Restou, então, o adesismo dissimulado.

Assim, se o governo Temer representou a aliança do mercado com a velha oligarquia nacional, os primeiros nomes anunciados por Bolsonaro parecem indicar um governo conservador nos costumes, ultraneoliberal na economia, intolerante com minorias, reacionário na educação, repressor às manifestações sociais.

O que esperar?

Os ministros indicados até o momento por Bolsonaro, vem mais (más?) notícias por aí, revelam a conformação dos núcleos militar, político e civil no governo, dando forma a um Estado de exceção, fundamentalista e ultraliberal.

Sem o controle da economia, Bolsonaro é uma espécie de Trump algemado. No entanto, como bom policial de costumes, manterá o ideário de ódios que o trouxe até a presidência, com alguma moderação, para preservar parte das aparências dos que lhe apoiam. A agenda econômica ultraliberal, ditada pelo mercado, segue seu curso nas mãos do ministro da economia, Paulo Guedes.

Para além da regressiva e injusta reforma da previdência desejada pelo mercado, Guedes criou a Secretaria Geral de Desestatização e Desimobilização (?), e nomeou Salim Mattar, um empresário que alugava carros e que agora irá vender o patrimônio brasileiro. Na Petrobras, Guedes indicou para presidente um defensor da privatização da estatal, Roberto Castello Branco.

O controle político do Congresso está a cargo do deputado Onyx Lorenzoni (DEM), ele irá garantir a interlocução e a participação dos partidos tradicionais, negada por Bolsonaro nas eleições, como o MDB, com a indicação de Osmar Terra para o Ministério da Cidadania, e para o próprio DEM, com a Casa Civil e os ministérios da Saúde e Agricultura.

Os generais ministros irão controlar a caserna, as relações institucionais e os planos de repressão já anunciados. A nomeação excessiva de militares indica a militarização do governo e a indesejada partidarização das forças armadas.

O filho deputado, Eduardo Bolsonaro, está encarregado de fazer as ameaças públicas do reacionarismo, e ao fundamentalista Ricardo Vélez Rodríguez cabe a tarefa de realizar a “limpeza ideológica” no Ministério da Educação, e impor a sua própria. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tem a missão de desmontar a política internacional altiva, ativa e multilateralista remanescente dos governos Lula e Dilma, liquidar o Mercosul, e determinar a submissão do Brasil à política internacional estadunidense.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, deputada federal da bancada ruralista, terá a tarefa de defender os interesses do agronegócio contra a agricultura familiar, e seu secretário de Assuntos Fundiários, o líder ruralista Nabhan Garcia, deu o tom dizendo que os “acampamentos de sem-terra são uma farsa”.

Sérgio Moro, premiado com o Ministério da Justiça após retirar Lula da disputa eleitoral e abrir caminho para a vitória de Bolsonaro, é laranja de amostra para manutenção da justiça de exceção em um Estado policialesco. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, é um legítimo herdeiro e representante do pensamento militar pró Golpe de 64. Com ele ficarão as questões internacionais, de defesa nacional, e o que mais conseguir agarrar, sem esconder o sonho de tomar o lugar de Bolsonaro.

Todavia, a principal arma do bolsonarismo, para manter o apoio conquistado nas eleições, é a manutenção da guerra ao inimigo interno, sustentado no ódio político e na intolerância, que garanta a contínua mobilização de almas e corações. Para isto, Lula, o PT e a esquerda em geral, sofrerão periódicas sessões de execração pública, tortura moral e perseguição política, todas devidamente sustentadas pela narrativa da grande mídia, conforme os acordos da aliança que levaram Bolsonaro ao poder, tutelado.

A reconfiguração do Estado, promovida por Bolsonaro, e a aliança das forças conservadoras, exige das oposições, do campo social e partidário, democrático e progressista, a sua própria reconfiguração estratégica para a luta de alta intensidade que se anuncia para os próximos anos com a nova fase, qualitativamente diferente e ainda mais nociva, do golpe de 2016.

Neste sentido, parte importante da resposta passa pela formação de duas frentes democráticas: uma frente ampla de forças sociais e partidos em defesa da democracia e de direitos civilizatórios e humanistas, e outra que reúna partidos de esquerda e centro-esquerda em defesa de um projeto nacional de justiça, igualdade, inclusão social e liberdade.

Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS)

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