Opinião

Pensamos bem nas sanções à Rússia?

O problema que enfrentamos agora não é saber se são suficientemente fortes, mas se não fomos longe demais

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante celebração da anexação da Crimeia. Foto: Ramil Sitdikov/POOL/AFP
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Começo por dizer que entendo e apoio sanções à Rússia que ­deem expressão à condenação da agressão injustificada à Ucrânia. Elas fazem também sentido enquanto instrumento de defesa da ordem jurídica internacional e da Carta das Nações Unidas. É talvez necessário lembrar, no entanto, que a dimensão e o alcance destas sanções não têm paralelo com nada que tivesse ocorrido no passado. Em três semanas bloqueamos os bancos russos no sistema bancário global, congelamos cerca de dois terços das reservas russas em moeda estrangeira, revogamos tratados de comércio com Moscou, proibimos os voos das companhias russas nos territórios ocidentais, restringimos a venda de petróleo e gás, proibimos exportações de componentes da indústria de alta tecnologia para a Rússia, e por aí afora.

É preciso ter presente que esta é a primeira vez que se aplicam sanções a um país com armas nucleares e com um peso significativo na economia mundial. Desta vez não é a Venezuela, Irã, Cuba, ou qualquer outro pequeno país. É a Rússia, que pode também retaliar. Não é demais afirmar, portanto, que navegamos em território desconhecido. No passado, a reduzida eficácia das sanções nas decisões dos países afetados sempre foi atribuída ao fato de elas não serem suficientemente fortes ou não terem suficiente consenso político na sua aplicação.

O problema que enfrentamos agora não é saber se são suficientemente fortes, mas se não fomos longe demais. Se as sanções não terão consequências imprevisíveis na economia mundial. Os efeitos estão a fazer-se sentir nos mercados mundiais de commodities, nos preços da energia e nos preços dos alimentos. Uma recessão mundial não parece fora de hipótese. E o pior é que os países mais afetados vão ser os mais pobres do “Sul global”. A pergunta é se pensaram bem nisso.

Também não gostei do banimento da Rússia do mundo do desporto global. Isto nunca tinha acontecido, nem mesmo no auge da Guerra Fria. Mesmo nos piores momentos, o espírito olímpico conseguiu colocar a competição desportiva à margem da política ou, dizendo melhor, acima da política. Era algo de que nos costumávamos orgulhar – a competição desportiva realizava-se mesmo entre países com sérios conflitos de interesses. Esse espírito caiu logo nos primeiros dias de guerra. Não, não me ocorre nenhuma boa razão para não deixar as equipes russas e os atletas russos competirem com os outros atletas do mundo. Essa decisão só contribuirá para unir ainda mais o povo russo ao seu governo. Estas sanções desportivas são um desastre. Um grande desastre.

Ainda no que se refere às sanções, confesso também o meu profundo incômodo com a facilidade com que se chama oligarca a qualquer russo com meios de fortuna. Isso é verdadeiramente chocante na cultura ocidental. Nestes novos tempos, um milionário alemão é empresário, se for russo é oligarca. Novos tempos, nova gramática, nova semântica. Os Estados ocidentais parecem assim sentir-se dispensados de provar seja o que for – nem a ligação do milionário ao regime nem a origem ilegítima da sua fortuna. E essa injustiça é apenas o começo da história. Os sinais de discriminação injustificada contra cidadãos russos são evidentes em vários círculos da vida social ocidental, com destaque para os mundos da cultura e dos negócios. Incomoda-me profundamente que nenhum dirigente ocidental se tenha lembrado de dizer que aqui, no Ocidente, nos consideramos um Estado Democrático de Direito em que os cidadãos, mesmo os estrangeiros, têm direito à proteção das leis e não podem, sem razão e sem provas, ser esbulhados, sem mais, da sua dignidade e das suas riquezas.

Finalmente, dois acontecimentos políticos recentes. Víktor Orbán teve mais uma vitória política. Obteve de novo mais de dois terços de assentos no Parlamento. Impressionante. Por outro lado, aproxima-se a primeira volta das eleições presidenciais francesas e, embora o que se sabe não seja nada definitivo, a extrema-direita aparece nas sondagens mais forte do que nunca.

Hungria e França. Os sinais não são animadores. A ideia, que parecia plausível, de que a guerra na Ucrânia iria prejudicar os (antigos?) aliados de Putin não está a acontecer. É cedo ainda para tirar conclusões, mas, se as sanções econômicas retroagirem, atingindo o coração econômico da Europa e provocando uma séria recessão, então temos todas as razões para esperar tempos sombrios para o Ocidente. Não pretendo ser pessimista, espero apenas que tenham pensado bem nas sanções. E que pensem ainda melhor antes de decidirem levá-las mais longe. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Pensamos bem nas sanções?”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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