Opinião

Paulo Guedes é tão irresponsável, ou responsável, quanto Bolsonaro

Se o ex-capitão for levado no futuro ao Tribunal de Haia, como sugere Ciro Gomes, o ministro deveria lhe fazer companhia

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Bolsonaro não se emenda. A esta altura, quem acredita nas boas intenções do ex-capitão, em fugazes lampejos de coerência, sofre das mesmas perturbações mentais do “líder mundial mais ineficiente no combate ao coronavírus”, segundo Ian Bremmer, presidente da consultoria Eurasia, representante do mainstream financeiro internacional, insuspeito de comunismo, petismo ou outros ismos. Bastou uma noite de sono – ou uma longa madrugada sem pregar os olhos – para Bolsonaro desfazer as impressões causadas pelo discurso confuso, mas um tanto quanto moderado, proferido em cadeia nacional na terça-feira 31. Deitou-se como doutor Jekyll, acordou como mister Hyde. Logo cedo, antes do desjejum, publicou uma nova fake news para atacar os governadores que havia elogiado no dia anterior. Detonou a tal união de esforços. Pego na mentira, apagou o post no Twitter e fingiu que não era com ele. E ainda dizem que se trata de um sujeito corajoso e de fibra. Quanto a fazer sua parte, arregaçar as mangas e tal e liberar os 600 reais para os trabalhadores informais, bem, até o meio da tarde da quarta-feira 1º, Dia da Mentira, por coincidência, a sanção não passava de uma promessa. Hoje ainda. Talvez amanhã.

O comportamento errático do ex-capitão não pode mais, porém, ser tratado com condescendência. Sua personalidade limítrofe não serve mais como desculpa. Há um método nesta loucura e, como sugere o presidenciável Ciro Gomes, Bolsonaro, a continuar nesta toada, corre o risco de ser levado no futuro ao Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade. Não deveria ir só. O ministro da Economia, Paulo Guedes, que, a seu modo, espalha fake news para justificar sua inação é candidatíssimo a sentar no mesmo banco de réus. Ao contrário do que afirma o “superministro”, não existe entrave político, jurídico ou administrativo para liberar a renda emergencial de 600 reais aos informais. Ou de ampliar o apoio a outras faixas de trabalhadores. Nos últimos 30 anos, o Brasil reuniu informações e criou mecanismos que permitem uma distribuição rápida e eficaz dos recursos. O Cadastro Único é um deles. Basta disposição. Nunca foi tão exato o termo “vontade política”. Haveria um propósito na inação?

 

Sabe-se que Bolsonaro não voltou atrás nas suas “convicções” à moda Dallagnol. A depender dele e dos seus apoiadores, o isolamento social seria suspenso em todo o Brasil. O que seriam 5 mil ou 7 mil mortes, talkei? O Brasil não pode parar e ele precisa manter a esperança de chegar ao fim do mandato e tentar a reeleição. O atraso em colocar em andamento as medidas aprovadas pelo Congresso e a preguiça em enviar ao Legislativo até as propostas que beneficiam uma de suas bases de apoio, o empresariado, aumentam a tensão social, insuflam conflitos e atiçam rebeliões “populares” contra governadores e prefeitos que agem de forma responsável. A ameaça de greve da ala bolsonarista dos caminhoneiros não é uma consequência natural do quadro. É estimulada para tumultuar a situação. Como mostra uma reportagem do editor Carlos Drummond neste site, o Brasil ocupa a antepenúltima colocação entre os países que mobilizaram dinheiro para combater os efeitos da pandemia sobre a saúde e a economia. Pior: boa parte dos recursos foi ou será liberada aos bancos privados que, conforme inúmeras informações, tem aumentado os juros dos financiamentos em decorrência das incertezas futuras e da falta de concorrência na praça.

Bolsonaro, ao contrário de seu pronunciamento na noite da terça-feira 31, não está preocupado com as vidas, com o povo que diz servir. Se preciso – e possível – vai alicerçar sua permanência no poder sobre uma pilha de corpos. O caos absoluto seria o ambiente ideal para seu reinado prosperar. Caberia a Guedes entregar a terra arrasada.

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