Opinião
Passamos de país mais amado do mundo para sermos o mais odiado
Assim somos: vamos do céu mais azul dos pampas ao mais escuro das queimadas da Amazônia e dos raios fulgurantes em seu terror
Existe um certo consenso de que as fake news foram decisivas para a vitória do atual “presidente de fato”, ainda que ilegítima, pois o principal candidato fora preso, ilegalmente.
Com efeito, as novas tecnologias permitem traçar perfil dos eleitores e das possíveis escolhas deles. Daí, a manipular-lhes as crenças, foi só um passo.
Entretanto, para que as fake news possam ser efetivas na manipulação, carecem duas premissas: que haja isolamento dos receptores – para que não possam verificar a veracidade – e que haja a crença nos emissores.
Nesse sentido, as igrejas configuram-se como ambientes ideais, em que os dois pressupostos convergem: o isolamento dogmático e a fé, por vezes, cega.
Simbólico da necessidade de mascarar o virtual apartheid cultural, o fato de que as agremiações neo-pentecostais agreguem em suas denominações “universal, mundial ou internacional”, como a querer assegurar aos fiéis o extravasar da bolha, o fluir para a liberdade, a convergência e comunhão com outros povos, crenças e ideais.
Em sentido inverso, ao combater uma religiosidade mais aberta, encarnada na sociedade e na luta democrática, o então Papa João Paulo II isolou ainda mais a Igreja Católica, que já tivera papel hegemônico no País, mas ainda guarda certa ascendência cultural entre as igrejas no Brasil.
A imensa oposição ao papa Francisco não desconhece o axioma. Francisco tem condenado como pecados abjetos as fake news.
Efetivamente, ao abrir a Igreja Católica aos movimentos sociais, gays e famílias não convencionais, o papa traz dano à mentira, como a luz às trevas.
Demais, a provável eleição da chapa de Cristina Kirchner na Argentina em muito irá potencializar a voz do pontífice. Desse temor, parecem os ataques cerrados que vêm sofrendo ambos atualmente.
Mas Deus, o amor, a verdade, a justiça ou como O queiramos chamar tem lado e as eleições de Francisco e Cristina não deixam dúvida sobre as preferências Dele.
Vale notar que o “chiaro-oscuro” também é uma característica do Brasil, para o bem e para o mal. Sebastião Salgado reflete esse traço cultural de forma magnífica, em suas fotografias.
O colega italiano, Oliviero Toscani, costumava dizer que não temia a morte: se fosse para o céu, já conhecera o Brasil; se o inferno fosse seu destino, o mesmo se aplicava – nenhum estranhamento, portanto.
Assim somos: vamos do céu mais azul dos pampas ao mais escuro das queimadas da Amazônia e dos raios fulgurantes em seu terror.
Passamos de ser o país mais amado do mundo, para sermos o mais odiado.
Tivemos o presidente e o chanceler mais admirados e hoje temos os antípodas.
Não o fazemos por nós, não somos masoquistas. Somos o país que pode postergar a crise em que o mundo se meteu pela concentração de renda, tal a riqueza humana e natural do Brasil.
Somos condenados ao ocaso pela cobiça de nossas riquezas, que, para serem acaparadas, requerem nosso isolamento e confinamento, de que se ocupam para os senhores do Norte as seis famílias donas de quase 70% da imprensa nacional e uma oligarquia que manipula a alta burocracia nos três poderes, além da hierarquia eclesiástica, principalmente neo-pentecostal.
Não somos um país de extremos, somos por eles buscados, mas, infelizmente, disso não temos noção, pois, se tivéssemos, não o permitiríamos, evidentemente.
O próprio Cristo, em um dos evangelhos, diz: se o dono da casa soubesse o dia e a hora em que o ladrão chegaria estaria preparado e não permitiria sua intrusão.
Cabe, destarte, a pergunta: o que nos faz desconhecer ou minimizar a geopolítica?
Não temos a noção de que estamos na região de maior interesse para o imperialismo, excetuado o Caribe, inclusive a América Central?
Do Caribe e da América Central, o que conhecemos? Bem pouco.
Dessa forma, sem saber dos métodos do imperialismo, em nenhuma outra região tão violento e assassino, como fazer-lhe frente?
Seus poderosos órgãos de informação não estão cientes dessa nossa fragilidade?
Obviamente, conhecem-na e promovem a nossa ignorância da história, da geografia e da cultura dos irmãos e irmãs centro-americanos e caribenhos. Os mexicanos, nicaraguenses e venezuelanos, que as conhecem e vivem, estão à nossa frente na escala da consciência política.
O que podemos fazer para mudar essa realidade?
Que tal começar, estudando com carinho os centro-americanos e caribenhos?
Oportunidades não faltam.
A Universidade das Índias Ocidentais (UWI, no acrônimo em inglês), por contar com campi em três países do Caribe (o principal é o de Mona, em Kingston, Jamaica) especializou-se no ensino à distância, em muito facilitando o intercâmbio internacional, além do fato de utilizar o inglês, idioma universal.
A propósito, por que não nos mirarmos no exemplo da Universidade de Londres? A “London School” conta com institutos específicos para as várias regiões do mundo, demonstrando verdadeiro cosmopolitismo e inteligência organizacional.
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O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
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