Opinião

Parecemos caminhar para um final feliz, com a vitória de Lula

‘A popularidade de Lula parece estar ligada também à capacidade dele em incorporar esses conceitos ao discurso e à prática política’

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Ricardo Stuckert
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“Pague o mal com o bem.”
O Talmude.

Uma das circunstâncias que diferenciam dos anteriores o atual ciclo autoritário em alguns países da América Latina é a decisão dos setores progressistas de pagarem o mal com o bem, não recorrendo às mesmas armas das ditaduras neoliberais.

Essa escolha virtuosa permitiu o retorno à democracia na Argentina, na Bolívia e no Chile, dentre outros, podendo ocorrer também no Peru, como fora no México.

No Brasil, parecemos caminhar também para esse final feliz, tendo em vista as últimas pesquisas de intenção de votos, que dão larga vitória a Lula na corrida presidencial.

Seria a forma de luta pacifista uma incorporação da linguagem interior, individual à política, à coletiva?

O Mahatma Gandhi libertou a Índia do regime colonial com pacifismo; incentivo ao resgate da cultura local e estímulo aos saberes e fazeres indianos.

Com efeito, um dos maiores inspiradores do libertador da Índia, o escritor russo libertário Leon Tolstoi, em Calendário da Sabedoria, afirmara: “A maior das alegrias, segundo as obras de Francisco de Assis, é a de você poder suportar qualquer coisa, poder até mesmo sofrer a calúnia e a dor física, e no final não ser capaz de sentir qualquer animosidade em relação a tais sofrimentos, mas antes sentir alegria, por ter fé; tal alegria não pode ser destruída, nem pelos maus e nem por seus próprios sofrimentos.”

Trata-se da ampliação da linguagem política.

Essa pode ser a fórmula que levou tantas pessoas aos cultos neopentecostais e a uma acepção mais conservadora da política: na ausência de alternativa coletiva, optou-se por limitação individual que permitisse alguma solidariedade de grupo.

Com o tempo, o quadro se modifica, sob o influxo da resistência pacífica.

As últimas pesquisas também demonstram a crescente vontade dos evangélicos em distinguir a fé de valores tradicionalistas que, muitas vezes, a instrumentalizam.

De fato, um dos maiores filósofos do século XX – senão o maior – Ludwig Wittgenstein, em sua obra principal, o Tractatus Logico-Philosophicus, esclarece no prefácio daquele volume: “Este livro trata dos problemas filosóficos e mostra, segundo creio, que a maneira de colocar esses problemas decorre de uma má compreensão da lógica de nossa linguagem. Todo o sentido deste livro poder-se-ia exprimir nestes termos: aquilo que, no fim das contas, pode ser dito claramente, e deve-se guardar silêncio sobre o que não se pode falar.”

Essa citação encontra-se em Wittgenstein, de François Schmitz, editado pela editora Estação Liberdade.

No mesmo volume, Schmitz esclarece que, em carta a um editor a quem enviara o Tractatus, Wittgenstein aclarou: “[No prefácio] eu queria escrever que meu trabalho consiste de duas partes, uma que está aqui apresentada, à qual é preciso acrescentar tudo aquilo que eu não escrevi. E é precisamente esta outra parte que é importante. De fato, meu livro traça os limites da ética, por assim dizer, a partir do interior […] Enfim, penso que sobre tudo isso de que tantos falam hoje sem nada dizer, eu o repeti calando-me.”

O desafio lançado pelo filósofo austríaco, com efeito, é enorme. Como incorporar à linguagem política termos e sentimentos como “compaixão”, “fraternidade”, “consolação”?

Nesse sentido, a popularidade de Lula parece estar ligada também à capacidade dele em incorporar esses conceitos ao discurso e à prática política.

O drama atual, da violência em Jerusalém e Gaza, tampouco parece estar infenso à instrumentalização política das cosmovisões: que a “fricção” entre as placas tectônicas políticas ocorra na cidade mais cosmopolita do mundo não parece ser obra do acaso.

Vale notar que isso ocorre no momento em que assistimos ao deslocamento do eixo de poder mundial do Ocidente para o Oriente, com todas as dores de parto que comporta uma velha ordem colonial que teima em buscar sobrevida (a recolonização do Brasil é o exemplo mais próximo e dramático), em des-ordem suicida, tentando inutilmente impedir uma nova ordem mais sustentável, socioeconômica e ambientalmente concebida.

Nesse embate de vida ou morte, literalmente, o número de mortos é vultoso, seja pelo genocídio perpetrado por meios político-militares, como no Brasil; seja pela força exclusiva das armas, como no caso de Mianmar, da Palestina – em Jerusalém e Gaza, pelas mãos dos militares e da direita israelense, por sua vez, instrumento do imperialismo internacional.

Aqui como lá, os mais vulneráveis, crianças, mulheres, empobrecidos e negros – no caso do Brasil – são as vítimas mais numerosas do colonialismo.

Não é à toa que, desta vez, todos os três povos tenham percebido que, no campo da morte, são os senhores da morte imbatíveis, razão pela qual só podem ser vencidos de outras formas, que têm de se aglutinar na paz; na denúncia da injustiça – social e individual; na busca de vida e vida em plenitude.

Os meios e os fins terão de estar unificados nessa luta; o templo, não mais um lugar físico, como no Primeiro Testamento, mas entendido como o corpo, a interioridade de cada um, como o Cristo renovara; a ética, resgatada, tanto individual quanto coletivamente; a linguagem, ampliada do coletivo ao individual, para que todas as dores e alegrias possam ser futuramente nomeadas, vistas e compartilhadas.

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