

Opinião
Para simplificar o mercado cambial, BC quer liberar contas em dólar
A abertura generalizada das contas de capital promovida pela globalização financeira inverteu as determinações do balanço de pagamentos


O Banco Central enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional com o objetivo de simplificar e tornar “competitivos” os mercados cambiais. Essa simplificação envolve a permissão para a abertura de contas em moeda estrangeira. A permissão será concedida a indivíduos e empresas. Os gestores de nossa máxima e independente autoridade monetária entendem que uma mudança regulatória progressiva e cautelosa poderia culminar na conversibilidade plena do real brasileiro.
Os desconfiados de sempre desconfiam da confiança nas cautelas e caldos de galinha para consolidar tal cometimento. Dizem os irreverentes: há moedas e moedas. O dólar é a moeda reserva. Denomina mais de 70% das transações comerciais e financeiras no mundo.
O real é uma moeda não conversível. A política monetária nacional está subsumida à forma de inserção do Brasil na hierarquia entre nações e suas moedas. A mídia e seus súditos, os que produzem as notícias e os que as leem, traficam uma versão falsificada do mundo das finanças internacionais: garantem que todos os gatos são pardos. Desgraçadamente, o sistema monetário internacional é constituído por uma hierarquia de moedas, umas mais “líquidas” do que as outras. Um exportador alemão e um importador japonês dificilmente escolheriam o real como moeda de transação em seus negócios.
A abertura generalizada das contas de capital promovida pela globalização financeira inverteu as determinações do balanço de pagamentos. Nos tempos de Bretton Woods, o balanço de pagamentos era comandado pelas transações de mercadorias e serviços. Agora quem apita o jogo são os senhores que se empanturram na arbitragem e na especulação com as moedas. Para as economias de moedas sem reputação e “ilíquidas”, a mobilidade de capitais tende a produzir valorizações indesejadas, seguidas de desvalorizações abruptas. Seja qual for o regime cambial adotado, as autoridades monetárias do país de “moeda fraca”, com “ponto de compra” imprevisível, poderão ser obrigadas a vender reservas ou subir as taxas de juro para estabilizar o curso do câmbio.
O montante relativamente elevado de reservas que os bancos centrais são obrigados a manter para garantir a estabilidade do câmbio é um dos sintomas da impossibilidade de adoção da flutuação cambial pura. Como os títulos de riqueza em moeda local e os denominados em dólares são substitutos muito imperfeitos, a arbitragem entre juros internos e externos não logra a convergência das taxas e acaba por impor a “intervenção” no mercado de câmbio.
Os episódios de forte depreciação da moeda “ilíquida” impactam os ativos e passivos em moeda “forte” dos governos, bancos e empresas sediados no país de moeda fraca. Em geral, os balanços do setor privado nos ditos emergentes registram preocupantes desequilíbrios entre ativos e passivos denominados na moeda de curso internacional.
A tragédia argentina ainda assombra o mundo dos vivos (ou dos sobreviventes) com o espectro da desditada “convertibilidad” do doutor Domingo Cavallo. Destilado das retortas dos alquimistas da finança internacional, o Plano Cavallo forjou um regime de conversibilidade plena com taxa de câmbio fixa. O peso era tão forte quanto o dólar, proclamava o então celebrado ministro da Economia argentina. Os alquimistas do peso forte lançaram o país na trágica crise cambial e monetária de 2001/2002.
Nuestros hermanos ainda pagam a conta do regime de conversibilidade que, entre outras façanhas, impulsionou um processo devastador de substituição monetária: o peso é apenas a sombra do dólar.
Já a China parece ensaiar, sim, a internacionalização do yuan. Primeiro, cuidou de defender sua moeda das instabilidades promovidas pelos capitais nervosos. Com controle de capitais e câmbio desvalorizado, deflagrou a formidável expansão de suas relações comerciais. Hoje, montado em reservas parrudas e saldos comerciais, o Império do Meio amplia os investimentos de suas empresas no exterior. Para tanto, apoia suas pretensões na formidável expansão de suas relações comerciais e no rally de investimento de suas empresas no exterior.
Esse processo começou com a articulação do bloco eurasiano, aí incluídas a Rússia e a Índia, e estendeu sua influência à África e à América Latina, não somente como fontes provedoras de matérias-primas, mas como espaço de expansão do investimento das empresas chinesas. Está claro que os chineses ensaiam, cautelosa e firmemente, a internacionalização de sua moeda nacional, apoiados na teia de relações comerciais e financeiras crescentemente denominadas em yuan. Dizia o saudoso treinador Oswaldo Brandão: “Primeiro o um (defesa), depois o dois (o ataque)”.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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