Opinião

Para que; a quem; o que

Se há alinhamento automático da diplomacia à política externa de outro país, não se pode falar em independência

Racionalidade. Manter empresas de refino, distribuição e transporte possibilita receitas estáveis que compensam a volatilidade do petróleo.
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Atributos de um estado independente são política externa e forças armadas próprias. Por essa razão, cabe perguntar se ao deixar de tê-las um estado continua independente.

Obviamente, se há alinhamento automático da diplomacia à política externa de outro país e se as forças armadas estão subordinadas a potência estrangeira, não se pode falar em independência.

Concretamente, imaginemos um país rico em petróleo e outros minérios, com capacidade financeira e tecnológica para extraí-los. Evidentemente, esse país torna-se alvo da cobiça da superpotência que consome petróleo em grandes quantidades, a ponto de ser responsável – apenas ela – pelo consumo de 25% de toda a produção mundial.

Hipotizemos que essa superpotência consiga – por meio de golpe de estado orquestrado, do qual participam, por ação ou omissão, as forças armadas e as chancelarias, entre outras instituições, além da imprensa oligopolizada – modificar a legislação da partilha do petróleo e se apropriar dos campos de extração off-shore do país golpeado, para lucro exclusivo das suas próprias petroleiras. Ora, a Marinha do país estaria cumprindo sua função constitucional ao não proteger aquela riqueza soberana não renovável, cujos recursos deveriam ser empregados na promoção da saúde e da educação? Se abdicasse de cumprir sua responsabilidade legal não deveria ser responsabilizada, por exemplo, pela mortalidade infantil ter voltado a crescer? Qual o sentido de seguir existindo se não mais cumpre as funções para as quais foi criada? A quem estaria servindo? O que fazer?

Prosseguindo no sonho, joanino por antonímia, mas igualmente apocalíptico, imaginemos que esse mesmo pobre (riquíssimo) país tivesse desenvolvido, graças aos recursos públicos e ao engenho de sua gente – o próprio inventor do avião seria nacional (paternidade que a superpotência previsivelmente contesta) – houvesse criado uma empresa de aviação de ponta. A exportação de aeronaves representava, de fato, o produto de maior valor agregado na pauta de exportações do país, fazendo da empresa a terceira maior fabricante de aeronaves no mundo. Imaginemos que aquela mesma superpotência, após o golpe por ela engendrado – para o qual, inclusive, espionou a própria chefe de estado, a fim de colher dados da empresa nacional de petróleo e identificar pessoas dispostas a lesarem a própria pátria, em nome de uma guerra ideológica inexistente – resolva também se apropriar daquela empresa aérea, a qual desenvolvera, até mesmo (audácia suprema!) um cargueiro militar mais moderno e eficiente do que o da superpotência (chamemos o modelo ultrapassado de Sansão), o qual novo modelo já contava com mais de 500 encomendas de forças aéreas internacionais e a perspectiva de fornecer à quase totalidade delas, carentes de renovarem suas frotas do modelo Sansão ou Sansões, como provavelmente diria o Ministro da Educação (sic), estrangeiro – por supuesto, daquele país.

Aventemos que era tal a arrogância daquela superpotência – e tal a subalternidade da oligarquia e das instituições do país dominado, a ponto de decidir que sequer compraria a concorrente, mas criaria uma nova empresa, da qual a “absorvida” teria …20%. Qual deveria ser a reação da Aeronáutica do país assim brutalmente lesado? Não seria responsável pela garantia daquele patrimônio público, desenvolvido com recursos do Tesouro, inclusive por seus oficiais, que se beneficiaram de anos de pesquisa em capital tão charmosa quanto – fantasiemos – Roma? Como poderiam ter incorrido no erro de pensar que seria possível manter a tecnologia militar a salvo da débâcle da tecnologia civil alienada na bacia das almas, se assim a concorrente construira sua própria indústria aeronáutica, transferindo o conhecimento militar para o campo civil? Não haveria a superpotência, depois de firmado o contrato, indicado que, de fato, o cargueiro desenvolvido pela empresa conquistada passaria a ser montado “em parte” na metrópole? Em face de tão grave omissão, qual o sentido de continuar existindo a força? A quem serve? O que fazer?

Como os pesadelos podem ser longos – nesse país hipotético há registro de um que durou 21 anos, prossegue a visão noturna com um general do país, chamemo-lo já subordinado, dependente, colônia mesmo, que seria “integrado” na força que a superpotência, desde o século XIX, usa para invadir os países do continente (que julga serem seus por direito, tanto que se refere a si própria com o nome do continente, tomando a parte pelo todo, em sinédoque simbólica da falta de modéstia e da empáfia imperialista), o que o faz para melhor apropriar-se das riquezas dos países ocupados, onde deixa um lastro de desolação, pobreza e mortes infinitas. Pior, segundo publicamente veiculado a não desmentido, o general do país subjugado, de acordo com a doutrina do Comando, chamemo-lo, hipoteticamente, SS, por semelhança saliente com congênere histórico, terá esse general – e por extensão as forças armadas e todo o país dominado – de incorporar como inimigos países assim classificados por aquela decadente superpotência, sendo: três vizinhos regionais, sistematicamente agredidos e invadidos por ela ao longo da história; uma potência regional de outro continente, a qual é grande compradora de bens do país dominado e está em ascensão, pois o país que a opunha é regido por um tirano esquartejador (mas para a superpotência isso não importa, pois os direitos humanos são apenas uma arma de sua retórica); e ainda duas potências nucleares, uma das quais a maior parceira comercial do país ocupado e em ascensão para ter a supremacia econômica sobre a superpotência decadente em 2030, aproximadamente. A outra superpotência, elegida inimiga pela decadente, acaba de testar um míssil hipersônico que voa a mais de 32 mil quilômetros por hora, não podendo ser detectado pela defesa decadente da igualmente decadente superpotência, o que a torna acuada e ainda mais violentas suas ações para se impor sobre os países que considera seu quintal. Vale notar que da outra área petroleira do mundo, a superpotência decadente retorna vergonhosamente derrotada, diplomática e militarmente, por aquela outra potência, que dela subtraiu – ao menos momentaneamente – a supremacia militar. Como a história só se repete como farsa, no dizer de um senhor que não deve ser nominado ou estudado no país ocupado, nos anos 50, a superpotência decadente havia dado um golpe de estado – mais um – naquela potência regional, que ousara nacionalizar seu próprio recurso natural, o petróleo. No lugar lugar do chefe de governo deposto, colocou um general. Por ficar no que considera seu quintal, no país ocupado, contentou-se com capitão.

“Dulcis in fundo”, diriam os antepassados latinos, os serviços de “inteligência” do país hipotético, ao invés de buscarem conhecer os projetos do ocupante externo, decidiram, mais uma vez, voltar-se contra sua própria população (as estatísticas demonstram ser uma característica dos covardes bater e violentar os de casa), espionando a instituição que defende, ao custo da própria vida de seus membros, os habitantes da grande floresta tropical que há no país. Em vez do predador externo, julga inimiga a Igreja, cujos missionários, por defenderem – eles sim – o povo da floresta, são objeto de todo tipo de ameaças e intimidações por parte dos latifundiários invasores das terras na região, principais responsáveis pela destruição da floresta e pelo aquecimento global – que evidentemente é negado pelas respectivas chancelarias, qual alienadas machadianas. Mas no caso das violações impetradas contra os direitos humanos dos povos da floresta, a superpotência decadente não se importa, embora aqueles direitos sejam fundamentais, universais; sequer a comovem as agressões e mortes de seus próprios cidadãos e cidadãs, missionários naquelas terras, muitos dos quais as regaram com o sangue martirizado. Com efeito, além de declinante, manipuladora e violenta a superpotência é sobretudo hipócrita, usando os direitos humanos segundo lhe convém, principalmente para legitimar a invasão de países que se opõem a ceder-lhe as riquezas, a soberania e o sangue do seu povo.

Mas, ainda assim, não morre a esperança, pois até os pesadelos têm fim, são passageiros; maiores sendo os sonhos. Não há noite sem dia e as trevas vêm bem separadas da luz. Quando as respostas são encontradas, passa a tempestade, faz-se a bonança e o sol retorna, como metáfora do amor que a tudo vence, na definição simples, completa e poética de Willian Shakespeare.

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