

Opinião
Para onde vamos?
Entre Palmeiras e Fluminense, qual é o estilo apropriado ao futebol brasileiro: o toque-toque de Diniz ou a verticalidade de Abel?


Este mundo no qual giramos juntos anda mesmo com cara de bola dividida. E o que eu tento, neste espaço, é utilizar o futebol como um espelho através do qual vemos alguns dos rumos tomados pela sociedade. Esta semana, após o Palmeiras assumir a liderança do Campeonato Brasileiro ao vencer o Inter por 3 a 0, o técnico Abel Ferreira perdeu as estribeiras. Ele disse estar “de saco cheio” e desancou tudo o que via pela frente.
Reclamou da desorganização do futebol mundial, com as datas Fifa, do calendário brasileiro e de seu clube, que aluga a “arena” para shows e o obriga a se virar pelos campos das redondezas. De quebra, pichou os gramados.
Quanto ao calendário, ajudou a malhar em ferro frio. Todos estão perdidos, da entidade máxima aos clubes menos favorecidos. Não há tempo nem espaço para enfiar tantos jogos. A ganância criou uma situação de fato esdrúxula.
Abel Ferreira “sentou a madeira” nas alterações improvisadas das tabelas e nas datas que prejudicam os planejamentos. Citou ainda a interrupção da sequência dos jogos, o desrespeito aos intervalos das partidas, o excesso de viagens e compromissos dos jogadores. “Oito jogos com intervalo de dois ou três dias é uma vergonha!”, bradou.
Ele falou ainda do tratamento dado aos técnicos nestes trópicos quentes, ressalvando seu clube e sua comissão técnica – o alviverde, afinal de contas, está na ponta da tabela.
A referência do treinador português à esculhambação do relacionamento entre os clubes e os técnicos foi enfática e bem colocada. A contratação e a demissão dos treinadores, num ritmo intenso, e por vezes desrespeitoso, mostram a irresponsabilidade dos dirigentes com o cofre dos clubes e com os profissionais.
Cabe lembrar que os profissionais nada fazem para mudar a situação. E essa é uma particularidade que está em todos os setores do futebol. Não se ouve falar de nenhuma representação coletiva na defesa dos interesses comuns de cada função e do esporte como um todo. Efeito colateral de uma sociedade marcada pelo individualismo.
Tudo isso acaba por levar a diferentes cenas de descontrole. Na partida entre Coritiba e Cruzeiro, pelo Brasileirão, vimos os torcedores do clube mineiro invadirem o gramado após o gol de Róbson, aos 45 do segundo tempo. Na sequência, torcedores do Coritiba fizeram o mesmo movimento. A partir daí o que se viu foi uma selvageria completa. Ou seja, justamente o oposto do que, ao fim de seu pronunciamento explosivo, pediu Abel Ferreira: “Verticalidade, gols e samba”.
Nesse ponto é que convergimos para a situação do nosso futebol. Entre os grandes campeões do momento, Palmeiras e Fluminense, qual é o estilo apropriado ao futebol brasileiro: o toque-toque envolvente do Diniz ou a verticalidade do Abel? Para onde vamos?
Após sua corajosa e agora vitoriosa direção – e ainda diante das difíceis partidas eliminatórias contra Colômbia e Argentina pela Seleção – Diniz passou a figurar, de fato, entre os melhores treinadores brasileiros.
Agora, à palavra de ordem da “intensidade” soma-se a ideia de “verticalidade”, levantada por Ferreira e que se traduz no “partir para cima”, que é a orientação dos treinadores portugueses que aqui têm aportado. Também não podemos nos esquecer de que tanto Diniz quanto Ferreira treinam à exaustão as triangulações, ponto comum a ambas as escolhas e base de qualquer que seja a opção.
E, por falar em base, o jornal O Globo trouxe esta semana uma excelente reportagem sobre os campeonatos de várzea, outro sustentáculo da formação do futebol brasileiro, quando vivíamos dias melhores. Na várzea, sabemos, o grande trunfo foi sempre a espontaneidade. •
Publicado na edição n° 1286 de CartaCapital, em 22 de novembro de 2023.
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