Opinião

Para o Sul Global, Trump só reservaria violência: militar, política, econômica e comercial

O país mais vulnerável seria o Brasil, por estar no que os republicanos consideram seu quintal, mas com veleidades a ator global

Para o Sul Global, Trump só reservaria violência: militar, política, econômica e comercial
Para o Sul Global, Trump só reservaria violência: militar, política, econômica e comercial
O presidente eleito dos EUA Donald Trump. Foto: Jim Watson/AFP
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“No confronto palmarino, os bandeirantes botaram fogo em crianças, violentaram mulheres, furaram olhos de centenas de quilombolas, cortaram orelhas, enterraram gente viva, devastaram a terra, assassinaram e degolaram Zumbi, maior liderança negra da época” – Luiz Antonio Simas

O mundo, mesmo em meio ao caos climático e ao bélico, dá sinais de vitalidade, apesar daqueles signos de morte.
Na sempre dinâmica África, os estudantes e a juventude queniana em geral lideraram protestos que obrigaram o governo a recuar da proposta orçamentária recessiva.

Na Ásia, em Bangladesh, idem: os estudantes foram às ruas contra lei de cotas universitárias, que julgaram nepotista.

Até no Velho Mundo os eleitores preferiram os progressistas, no Reino Unido e na França.

No Brasil, o terceiro governo Lula pode não ser o céu, mas seguramente nos livrou do inferno.

São indicações tão positivas, principalmente quando tomadas em meio às possibilidades crescentes de fim do mundo, que não podem ser minimizadas, seja pelas mudanças climáticas ou pelo risco de um conflito nuclear.

Talvez não seja o Maio de 1968, mas claramente as massas mundiais estão em ascensão.

Importante lembrar que o movimento ascensional das populações pode frear tanto as mudanças climáticas quanto a guerra atômica.

Para completar, a sucessão de Joe Biden por Kamala Harris deve afastar o desastre que seria para a América Latina e o Caribe um novo governo de Donald Trump.

A proposta do republicano é clara: a recolonização do Sul. O “segundo mundo” ficaria reduzido à Rússia e algum outro Estado mais próximo, como Belarus e Geórgia (até que algum golpe de Estado discreto também os trouxesse de volta para a esfera ocidental).

A China seria severamente combatida no campo econômico, comercial e político, mas respeitada, no militar, porque, no fundo, todo fortão é covarde, exercitando os músculos apenas com os mais fracos.

Para o Sul Global, Tramposo reservaria só a violência: militar, política, econômica e comercial.

O país mais vulnerável seria o Brasil, por estar no que os republicanos consideram seu quintal, mas com veleidades a ator global.

Reprimir e destruir o País, em proveito dos interesses estadunidenses, seria prioridade naquela agenda, com vantagens tanto econômicas quanto políticas, pelo efeito demonstração que geraria: se uma potência média pode ser reduzida a escombros, como se tentou em 2016 e 2018, é melhor que as demais nações da região nem sequer tentem levantar a cabeça.

Melhor ainda, Kamala Harris é filha de jamaicano e, por isso, em princípio, com maior sensibilidade para entender a região.

Em saudável contraposição a esses avanços mundiais, coletivos, caberá refletir se no âmbito individual vamos pela mesma senda.

Harris, procuradora de profissão, disse algo interessante: afirmou saber como lidar com Trump, pois está habituada a criminosos. Nesse sentido, tampouco teria dificuldade em tratar com Bolsonaro, família e apoiadores…

E os cidadãos comuns, como estamos recebendo esses avanços? Vamos tentando mudar também? Ficar melhores, conosco e com os demais?

Em Papa Francisco – Vida, a minha história através da História, de Fabio Marchese Ragona (editora Harper Collins), o Pontífice recorda como reagiu à crise econômica que atingiu a Argentina em 2008, lançando milhões na pobreza, como ocorre novamente:

“Enquanto isso, como Igreja, nos meses seguintes imediatamente passamos a nos colocar a serviço; devíamos ser uma espécie de ‘hospital de campanha’ para os necessitados: as paróquias foram mantidas abertas dia e noite, a fim de oferecer hospitalidade a quem havia ficado sem casa. Pedíamos aos fiéis que tinham condições para levar à missa ou diretamente à Caritas artigos de primeira necessidade para os desamparados. Abrimos centros médicos para distribuir remédios de maneira gratuita e colocamos fornos a gás debaixo de pontes para assar pães e distribuí-los. Também foram construídas estruturas para acolher as pessoas em situação de rua, e novos projetos sociais foram lançados para possibilitar um futuro a quem perdera tudo. Os voluntários deviam ter um único objetivo: colocar em primeiro lugar a pessoa humana e, acima de tudo, saber escutar suas necessidades…Quis destacar o conceito da escuta, porque tantas crises, como aquela iniciada em setembro de 2008, certamente teriam sido evitadas se os grandes, em muitas ocasiões, em vez de pensar nos próprios lucros e no deus dinheiro, tivessem escutado, ao menos uma vez, a voz dos pequenos.”

Se os judeus também ouvissem os palestinos, o Ocidente o Oriente e assim por diante…

Temos um déficit enorme de escuta.

Pelo menos a Corte Internacional de Justiça, da Haia, ouviu o clamor dos justos e declarou, na semana passada, ilegais os assentamentos judeus na Cisjordânia, desde 1967! São 600 mil colonos invasores! O terrorismo não começou em 7 de outubro! Vem de mais distância – e isso foi devidamente reconhecido.

Nesse sentido, talvez todos devamos buscar novas visões, não apenas novos conhecimentos.

A propósito, no Almanaque Brasilidades (editora Bazar do Tempo), Luiz Antonio Simas cita a maravilhosa e sabida escritora mineira Adélia Prado (que o inculto governador de Minas, Zema, demonstrou não conhecer): “Eu mesma não entendo minha enormíssima paciência de ficar à toa, só pensando, pensando e sentindo.”

Escutar, ler, pensar, sentir: viver. Desafio de todos os dias.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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