Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Pandemia de sedentarismo

Um estudo mostra a relação direta entre a prática de atividade física rigorosa e o menor índice de morte por câncer e doenças cardiovasculares

(Foto; Wanezza Soares) Drauzio: “Se temos drogas de alta potência contra o HIV, por que não podemos desenvolver para a Covid-19?”
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Há muito sabemos que a atividade física traz benefícios à saúde. Mas, pouco se sabe sobre o mínimo de atividade necessária para reduzir a mortalidade e a incidência dos agravos que mais óbitos provocam na população: complicações cardiovasculares e câncer.

Pesquisadores ingleses publicaram nesta semana um estudo sobre esse tema no European Heart Journal. Participaram 71.893 pessoas de ambos os sexos, com idades entre 55 e 67 anos (média de 62,5 anos), que tiveram o tempo semanal de atividade física vigorosa (AFV), medido por um acelerômetro de pulso, durante pelo menos 16 horas por dia.

Grosso modo, atividade física vigorosa corresponde a andar a pé à velocidade de cerca de 7 km/h ou de bicicleta, no plano, a uma velocidade ao redor de 20 km/h). Os níveis de AFV foram relacionados com a mortalidade por qualquer causa, por doenças cardiovasculares e por câncer.

No decorrer de um período médio de acompanhamento de 5,9 anos, a mortalidade do grupo que não praticou exercícios atingiu 4,2%. Entre os que praticaram até 10 minutos/semana de atividade vigorosa, os índices de mortalidade caíram para 2,1%. No grupo que praticou entre 10 e 30 minutos de AFV esse número diminuiu para 1,8%. Nos de AVF entre 30 e 60 minutos semanais caiu ainda mais: 1,5%. Os mais ativos, com AFV acima de 60 min/semana, apresentaram índice de 1,1%, ou seja, quase um quarto da mortalidade dos sedentários.

O nível considerado ótimo de atividade física vigorosa, aquele com mortalidade mais baixa, foi o dos que praticaram 53 minutos/semana. Acima desse nível o pequeno número de participantes não atingiu significância estatística.

Houve uma relação inversa entre o volume de atividade vigorosa, mortalidade geral, por doença cardiovascular e por câncer: quanto mais AFV menos mortes.

O volume mínimo de exercícios vigorosos semanais para reduzir a mortalidade geral e o número de mortes por câncer foi de apenas 15 minutos/semana. Para começar a diminuir o risco de óbitos por doença cardiovascular o volume mínimo foi de 19 minutos/semanais.

Entre os que participaram da pesquisa, apenas 20% se empenharam em praticar mais de 15 minutos de atividade vigorosa por semana. É um exemplo claro de que o sedentarismo é uma epidemia.

Outro dado importante veio da análise do impacto da frequência semanal da AFV na mortalidade geral. Aqueles que fracionaram a prática em várias vezes (um pouco de cada vez) reduziram a mortalidade em 27%.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o sedentarismo provocará no século XXI, um número de mortes da mesma ordem que o tabagismo (a estimativa é de que cerca de 800 milhões de pessoas perderão a vida por causa do cigarro, até 2100).

Baseados em tais previsões e nas melhores evidências científicas, a OMS e as autoridades de saúde americanas e europeias recomendam de 150 a 300 minutos semanais de atividade de moderada a intensa por semana.

Recomendar é uma coisa, bem diferente é convencer. Veja os números neste estudo: somente 20% dos participantes conseguiram praticar mais de 15 minutos semanais de AFV. Não parece utópico insistir em campanhas para praticar, no mínimo, 150 minutos de AVF semanais, quando 80% não conseguiram dedicar míseros 15 minutos/semana a ela?

Um estudo anterior havia mostrado que 60 a 90 minutos de AFV semanais acumulados em sessões de 10 a 15 minutos cada, aumentam a expectativa de vida em mais três anos. E, que para cada 15 minutos a mais, o risco de morrer cai 4% ao ano. Três anos é pouco? São mais de mil dias.

O objetivo do estudo publicado na última semana foi o de testar a hipótese de que existe relação inversa entre a prática de atividade física vigorosa realizada mesmo por pouco tempo, diversas vezes por semana, e o risco de morte prematura por doenças cardiovasculares ou câncer.

Se pensarmos na saúde pública, é mais sensato abandonarmos o objetivo utópico de insistir na prática de 150 a 300 minutos semanais de atividade moderada a intensa, para explicar que 15 a 20 minutos semanais já reduzem a mortalidade geral, o risco de morrer de câncer, infarto do miocárdio, AVC e de outros problemas cardiovasculares.

Que desculpa você tem para não dedicar de 15 a 20 minutos da sua semana, para viver mais e melhor? E se você puder investir mais tempo para viver bem mais e muito melhor? Por que não? •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1233 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Pandemia de sedentarismo”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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