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Opinião

Pandemia confirma que liderança das mulheres é mais empática e cuidadosa

‘Missão agora é estimular a ocupação da política por elas’, escreve Raquel Marques

Jacinda Ardern. Foto: MICHAEL BRADLEY/AFP Premiê da Nova Zelândia, Jacinda Ardern (Foto: MICHAEL BRADLEY / AFP
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Por Raquel Marques*

O mundo vive a maior e mais grave pandemia dos últimos cem anos. E o Brasil ganhou o bilhete premiado ao contrário. Dos 193 países do mundo, somos, junto com os Estados Unidos de Donald Trump, o que pior lidou com a situação.

As nações que melhor lidaram com a pandemia são lideradas por mulheres. Pesquisa do Fórum Econômico Mundial chamada “Gênero Importa” identificou que Alemanha (Angela Merkel), Nova Zelândia (Jacinda Ardern) e Dinamarca (Mette Frederiksen) foram os países que melhor enfrentaram o desafio.

Não é um acaso serem países liderados por mulheres. A maior empatia e a intolerância de expor outros a riscos das mulheres são fatores que as auxiliaram a essa melhor liderança.

Mas aqui é um ponto importante: não podemos essencializar, ou seja, dizer que esses atributos são inatos às mulheres. Não são. Como tantas outras coisas, são construções sociais. Porém, o treinamento que nós temos desde a mais tenra infância exigindo que sejamos solidárias, cuidadosas, zelosas, acolhedoras acaba nos transformando em pessoas com mais empatia.

Esse treinamento compulsório nos faz ser muito atentas ao bem estar das pessoas que estão no entorno e ter zero tolerância em colocá-las em risco.

Agora é um bom ponto para voltarmos ao Brasil. O presidente Jair Bolsonaro optou por fazer todo o possível para não lidar com a situação. Negou a gravidade da doença, amputou o Ministério da Saúde, não só negou a promover o isolamento social (orientação primária da Organização Mundial de Saúde) como estimulou as aglomerações e recomendou o uso de remédio ineficaz contra a doença e perigoso por seus efeitos colaterais.

O resultado disso é um número duro, frio, triste e implacável: são mais de 150 mil mortos em oito meses de pandemia. O descaso do governo federal é chocante ao ponto de o presidente responder sobre o luto que deveria resguardar: “não sou coveiro”.

A pandemia vem para confirmar que estou no caminho certo pelo fato de que meus 20 anos de ativismo, com mestrado em saúde pública e doutorado em saúde preventiva, culminaram na elaboração da Política do Cuidado. E nada é mais necessário agora do que ela.

Política do Cuidado significar ter como missão trazer o fator humano para o centro das decisões políticas. Em uma pandemia, é garantir renda mínima pelo tempo que for necessário, aplicar medidas duras de isolamento social e investir com força máxima no Sistema Único de Saúde.

‘O presidente Jair Bolsonaro optou por fazer todo o possível para não lidar com a situação’, diz Raquel

Engajamento das mulheres

Está nítido que o mundo urge por mais lideranças mulheres. Mas como fazer isso acontecer ainda é uma dúvida. Duas questões são muito importantes para que mulheres se engajem na política. A primeira é a inspiração, a percepção que a política é possível para si. E isso só acontece quando vemos outras mulheres ocupando esses espaços.

E a segunda questão é bem prática. As instâncias partidárias e os espaços de discussões políticas não são compatíveis com as necessidades específicas das mulheres que muita vezes inclui a chefia monoparental das famílias, ou a responsabilidade primária pelo cuidado com crianças e idosos e a insegurança mesmo de se locomover para algum local de debate público – a agressão sexual está sempre pairando sobre a mulher.

O fato de a pandemia ter feito com que muitas dessas etapas da política passassem a ser online, pode fazer com que muitas mulheres antes não tinham condição de participar, agora tenham acesso e oportunidade. Pois podem conciliar as responsabilidades familiares e da casa com a atividade política.

Estado mínimo, mulher em problemas

É pilar da nossa campanha é ajudar a fazer com que de fato essa seja a eleição das mulheres. A diversidade ainda está muito discurso e pouco na realidade.

A pandemia é um assunto incontornável e joga luz sobre a necessidade de as mulheres assumirem o protagonismo da política. As mulheres foram as que mais sofreram com o isolamento, tendo que continuar a trabalhar, fazer mais tarefas domésticas e cuidar de filhos em tempo integral por conta do fechamento das escolas.

Você. Mulher. Mãe. Não tenha dúvidas: quando o estado é mínimo, as mulheres arcam com sua ausência.

Vou sempre repetir: as crianças não são apenas uma responsabilidade da mãe ou de sua família. Elas são responsabilidade da família, do Estado e da sociedade, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com a Constituição.

Além da jornada tripla, as mulheres ficam mais expostas ao desemprego. Pesquisa do IBGE mostra que o desemprego está em 12% entre homens e 14,9% entre mulheres. A mesma pesquisa mostrou, em junho, que 7 milhões de mulheres haviam deixado o mercado de trabalho na última quinzena de março, contra 5 milhões de homens. É o pior cenário para as mulheres em 30 anos em relação ao mercado de trabalho.

A mulher só será colocada no centro da ação política quando mulheres forem eleitas de forma maciça em todos os níveis o Executivo e Legislativo. E esse passo é fundamental e inescapável para se iniciar o desmonte de uma sociedade patriarcal que desde sempre exclui a maior e privilegia a minoria da minoria.

Política do Cuidado é prática

Queria voltar para a Política do Cuidado para fechar este ciclo. Gostaria de deixar claro que não se trata de uma filosofia utópica para debates acadêmicos. É uma série de políticas públicas extremamente práticas que afetam rapidamente a vida da população da cidade.

Dou um exemplo claro para a cidade de São Paulo. Nossa campanha apoia a construção de ciclovias em todos os locais que sejam possíveis. Pesquisa da CET mostra que a velocidade média dos carros nas vias com ciclovias é menor e isso gera menos acidentes.

Com menos acidentes, o SAMU fica mais disponível para atender outros chamados. Os hospitais ficam menos sobrecarregados e os médicos e enfermeiros mais disponíveis para outros pacientes.

A possibilidade de se locomover de bicicleta faz com que o uso o carro seja diminuído e isso significa menos dióxido de carbono jogado na atmosfera. Com isso o ar fica mais limpo e diminui o número de pessoas com doenças respiratórias. E assim o ciclo virtuoso se repete: menos pessoas vão aos hospitais, os profissionais de saúde podem se dedicar a outros pacientes, os cofres públicos são poupados desse gasto e podem investir em outras áreas.

A Política do Cuidado vem neste aspecto, de decisões práticas, que se desdobram na melhoria da qualidade de vida das pessoas em vários aspectos. É sempre pensar: como a vida das pessoas pode melhorar com gestão pública? Essa pergunta norteia minha ação política.

*Raquel Marques é candidata a vereadora de São Paulo pela Rede Sustentabilidade, feminista, mãe e bissexual. Ativista há 20 anos, a sanitarista, mestre em Saúde Pública e Doutora em Medicina Preventiva acredita em ações e reflexões para para construir um mundo melhor. É uma das fundadoras da Artemis, a primeira ONG brasileira a incidir concretamente sobre políticas públicas pela erradicação da violência obstétrica. Co-deputada estadual, foi eleita em 2018 com a Bancada Ativista para o primeiro mandato coletivo da história do Estado de São Paulo. Atualmente cursa Direito.

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