Justiça

Pacote Anticrime: esquerda de hoje não aprendeu com os erros de ontem

Com a amalucada decisão do Ministro Luiz Fux deflagrando uma manobra nada republicana para inviabilizar a criação do juízo de garantias em matérias criminais, a discussão sobre os avanços e retrocessos do Pacote Anticrime voltaram à ordem do dia. Mas o que mais me chama […]

Luiz Fux em lançamento de livro. Foto: Felipe Sampaio/STF Luiz Fux em lançamento de livro. Foto: Felipe Sampaio/STF
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Com a amalucada decisão do Ministro Luiz Fux deflagrando uma manobra nada republicana para inviabilizar a criação do juízo de garantias em matérias criminais, a discussão sobre os avanços e retrocessos do Pacote Anticrime voltaram à ordem do dia. Mas o que mais me chama atenção é o esforço de nomes importantes dos partidos progressistas que insistem em destacar supostos avanços do pacotão, talvez com a intenção de camuflar as graves e nefastas mudanças na política criminal e penitenciária que vieram de baciada.

Se é bem verdade que o sistema prisional está em estado de coisas inconstitucional, conforme conceituou o Supremo Tribunal Federal tamanho é o grau de violações de direitos constitucionais, o pacotão não só ignora como amplia a indecência.

Numa tentativa arriscada de explicar sucintamente para leigos o resultado do Pacote, podemos afirmar que, com ele: i) mais gente será presa; ii) mais gente ficará mais tempo nas prisões; iii) mais gente terá maior dificuldade de se reinserir na sociedade.

Ou seja, o resultado é absolutamente TUDO o que hoje movimentos sociais, pesquisadores, acadêmicos, ONG’s, familiares de presos, entre outros que estudam o tema, evidenciamos ser o caminho errado.

Vale dizer que um dos argumentos centrais que tem norteado o discurso da “vitória” contra o autor intelectual do pacote, Ministro Sérgio Moro, por conta da rejeição de parte das propostas originárias e da aprovação de outras, é o que defende a aprovação do que seria o menos pior em virtude da rejeição das propostas da prisão em segunda instância e à excludente de ilicitude.

Ambas as propostas, com razão, mereciam total repulsa por parte daqueles minimamente sensíveis às questões de justiça criminal, segurança pública e direitos humanos. Todavia, é público e notório que há outros Projetos de Lei e de Emenda à Constituição que continuam tratando dos mesmos assuntos, paralelamente. É impossível, e inverídico, afirmar-se que a não aprovação dessas agendas, agora, significa a eterna não aprovação.

Ou seja, legitimou-se a implosão da execução penal do país com o argumento de retirar projetos que, de um modo ou de outro, continuariam a existir e avançar no Congresso.

Sobre a aprovação do juízo de garantias, me parece um exagero o discurso de que daqui para frente tudo será diferente, e que o país, finalmente, teria chegado ao clube dos países com processos penais mais justos.

Ainda que, certamente, a medida seja importante, vale lembrar que a burocracia do sistema de justiça continuará a mesma, com os mesmos estímulos, e nada indica que nossas polícias, promotores e juízes, do dia para a noite, abandonarão suas ideologias e práticas que sustentam um sistema criminal racista, classista e ineficiente por um novo paradigma, constitucional. A própria manobra do Ministro Fux evidencia que mudar lei, por si só, não garante nada no Brasil.

Mas, voltando ao título do texto, me chama ainda mais atenção como os setores progressistas de hoje aparentemente não aprenderam nada com os erros recentes das gestões progressistas nessas áreas. Vejamos:

Basta dizer que há quase 15 anos o pilar do encarceramento de jovens, negros e pobres do país vem sendo a Lei Federal n.º 11.343, de 2006, a chamada Nova Lei de Drogas (Governo Lula), que restringiu direitos, ampliou penas e fez explodir o número de presos por tráfico.

Lei de Drogas responsável por explosão do número de presos no Brasil data do Governo Lula.

Mais exemplos? A Lei Federal n.º 10.792, de 2003 (Governo Lula), que criou o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que prevê até 360 dias de confinamento solitário do preso, renováveis, quando as Regras Mínimas da ONU para prisioneiros considera tortura esse tipo de confinamento por mais de 15 dias. Ou, podemos ficar com a Lei Federal n.º 12.850, de 2012 (Governo Dilma), a Lei das Organizações Criminosas, que além de ser lastreada na ampliação de penas e restrição de direitos, trouxe ao país as famosas “delações premiadas” sem qualquer tecnicidade.

Encerramos o histórico de desacertos de gestões progressistas com a Lei Federal n.º 13.260, de 2016 (Governo Dilma), que teve a proeza de criar o crime de terrorismo no Brasil, com tipos penais abertos  – ou seja, subjetivos -, e penas e procedimentos draconianos, ameaçando movimentos reivindicatórios no país.

É claro que não podemos esquecer de pessoas críticas que ocuparam cargos nas gestões petistas e que se engajaram na luta por um sistema de criminal menos injusto, nem de políticas exitosas nas áreas relacionadas, como a criação do Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Entretanto, apesar de um avanço aqui ou acolá, o que se aponta aqui são os novos marcos legais geridos ou sancionados em gestões progressistas, e, nesse ponto, não há como tergiversar: houve erros capitais que custam muito a toda a sociedade até hoje, sendo uma autocrítica necessária e que falta muito aos debates.

Nos EUA, país que inspirou muitos desses projetos citados – inclusive o “Pacote Moro”-, está na ordem do dia a denúncia por parte de movimentos negros, ong´s e familiares de presos, que a política de encarceramento em massa naquele país é uma verdadeira indústria que, de um lado, gera grande capital a grupos específicos que lucram com o sistema criminal (inclusive políticos que se elegem e se financiam com essas agendas) e, de outro, viola sistematicamente direitos fundamentais de grupos específicos da população, especialmente os negros. Isso nos lembra algo? Sim, da escravidão, que vigorou lá e cá.

Esses mesmos movimentos, inclusive, têm afirmado que já é hora daquele país começar a se envergonhar da política de aprisionamento dos negros de hoje, da mesma forma que se envergonha da escravidão de antes.

E, no Brasil, quanto tempo será que irá demorar para os que hoje celebram “avanços” do Pacote Anticrime adentrem a salinha da vergonha?

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