Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

Outra tragédia anunciada

Uma catástrofe sanitária está perto de acontecer: nenhuma das vacinas obrigatórias para menores de 1 ano está com cobertura adequada

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No ciclo da vida, bebês e idosos constituem os elos extremos e mais frágeis. Por isso, precisam de atenção especial das políticas públicas voltadas à prevenção de doenças. Entre essas, os programas de vacinação são considerados estratégicos. Os impactos positivos que eles causam na saúde pública são, há décadas, reconhecidos internacionalmente.

Graças às vacinas, várias doenças, como varíola, poliomielite (paralisia infantil) e sarampo, foram erradicadas no ­Brasil. Outras tantas, como difteria, rubéola, ­rubéola congênita e tétano materno e neonatal, ­estavam em vias de erradicação.

A abrangência e a elevada cobertura vacinal do Sistema Único de Saúde (SUS) foram reconhecidas, pela Organização Mundial da Saúde, como grande exemplo para os demais países, inclusive ricos e desenvolvidos. O trabalho demonstrou como é possível reduzir drasticamente a incidência e a mortalidade, evitar casos graves e diminuir as internações por doenças infecciosas preveníveis.

No entanto, o descaso do governo Bolsonaro com a vida continua fazendo estragos incontáveis. O desmonte da estrutura técnica e a incapacidade do Ministério da Saúde de coordenar as ações de imunização desenham, para breve, uma tragédia.

A cobertura de vacinas em menores de 1 ano, de acordo com dados do próprio Ministério da Saúde, vem caindo desastrosamente desde 2016, o que coloca em risco as crianças e cria condições para o retorno de doenças que estavam sob controle, erradicadas ou em vias de erradicação no País.

Em 2021, por exemplo, três em cada dez crianças deixaram de ser vacinadas contra a poliomielite. E não é possível atribuir à pandemia de Covid-19 a diminuição da cobertura vacinal. Esse processo vergonhoso e perigoso vem, afinal de contas, ocorrendo desde 2016, e se agravou a partir do governo Bolsonaro.

No caso da vacina contra a tuberculose, as crianças deveriam tomá-la na maternidade, logo após o nascimento. Como praticamente a totalidade dos partos no Brasil ocorre em ambiente hospitalar, é inadmissível que a cobertura atual seja de apenas 69%.

O Programa Nacional de Imunização foi criado em 1973, institucionalizado em 1975 e aperfeiçoado com o SUS. Seu objetivo principal é oferecer todas as vacinas com qualidade às crianças brasileiras, tentando alcançar coberturas vacinais de 100% de forma homogênea em todo o território nacional. Só assim se produz a proteção coletiva.

Fonte: sipni.datasus.gov.br

Esse objetivo vinha sendo alcançado. Ao longo de quase meia década, o programa transformou-se em orgulho de todos os brasileiros por sua eficiência, qualidade e segurança, a ponto de 99% das vacinas serem aplicadas pelo SUS.

Essa conquista, consolidada como uma política de Estado seguida por todos os governos, independentemente da orientação política e ideológica, está sendo destruída pelo governo atual.

Das oito vacinas do Calendário Nacional de Vacinação para os menores de 1 ano, nenhuma está com cobertura adequada – seis delas estão reproduzidas no quadro ao lado. E o Ministério da Saúde não faz absolutamente nada para reverter o quadro.

É hora de resgatar nossa capacidade de ação na área da Saúde Pública e novamente colocar em campo o Zé Gotinha. É preciso convocar prefeitos, governadores, secretários de Saúde, universidades e entidades para mobilizar a sociedade em uma grande e consistente Campanha Nacional de Vacinação. Só assim conseguiremos reverter essa ameaça à vida das nossas crianças e ao futuro do País. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1223 DE CARTACAPITAL, EM 31 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Outra tragédia anunciada”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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