Opinião

Os riscos do comércio exterior de produtos do agro fora do mainstream

A “pirataria” nas importações prejudica pequenos e médios empresários, que investem em tecnologias estrangeiras apenas para serem posteriormente superados por filiais dessas mesmas empresas

Os riscos do comércio exterior de produtos do agro fora do mainstream
Os riscos do comércio exterior de produtos do agro fora do mainstream
(Foto: iStockPhoto) (Foto: iStockPhoto)
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O Brasil tornou-se importante protagonista do comércio internacional devido à sua vasta extensão territorial e às suas propriedades edafoclimáticas, que o tornam um grande exportador de produtos com características de commodities. Isso ocorreu, em grande parte, devido ao período positivo impulsionado pela globalização das economias.

Isso permitiu que a estrutura e a pauta de exportações incluíssem os complexos vegetais graníferos (soja in natura, farelo, torta), milho (in natura e etanol), laranja (de mesa e suco concentrado), carnes (bovina, avícola e suína); cafés arábica e conilon (grãos e beneficiados), algodão (pluma, fios, tecidos), celulose e produtos florestais.

A combinação de um vasto território com a presença de depósitos de diversos recursos minerais, aliada à implementação de uma visão econômica baseada no modelo nacional-desenvolvimentista e na substituição de importações, desde o período de Getúlio Vargas até os governos resultantes do golpe civil-militar de 1964, permitiu que o Brasil se consolidasse como produtor de combustíveis fósseis, minérios e seus derivados. Assim, gradativamente, foram acrescentados à produção primária vegetal os óleos brutos de petróleo ou de betuminosos; minério de ferro e seus concentrados; produtos e peças para a Indústria da transformação; veículos leves e pesados.

Até aí ou pouco mais, o agronegócio de exportação era visto “assim do alto”, como Paulinho da Viola via a Mangueira. Alguns empresários, no entanto, tomaram uma lupa e, com o apoio de órgãos públicos como a FUNCEX e a APEX, começaram a olhar mais de perto para dentro de suas empresas, linhas de pesquisa e produtos primários com base em commodities direcionadas tanto ao mercado externo quanto ao interno. Economistas e políticos também perceberam o potencial em produtos manufaturados e processados de origem no agronegócio.

Graças a essa percepção, diversificamos acentuadamente nossa pauta de exportações, alcançando a marca de mais de cem produtos diferentes, sem contar até onde isso poderia ser levado caso a biodiversidade originária de nossos ricos biomas fosse bem aproveitada e precificada.

Nos últimos anos, no entanto, principalmente devido à desastrosa política externa, econômica e diplomática do governo Bolsonaro, o país perdeu cinco posições no ranking de exportações. Do 22º lugar em 2008 para o 27º hoje, segundo a OMC. Uma queda de 7% em 2019, quando escolhemos, justamente, nossos principais parceiros para nos afastarmos: China, Índia e Rússia, os BRICS, de que hoje voltamos a presidir.

É claro que a forma como, nos últimos anos, a indústria nacional vem sendo impedida de crescer pela prevalência de uma política financista de juros que privilegiam os interesses financeiros em detrimento dos interesses produtivos, limita o potencial de crescimento das exportações.

Em 2020, o saldo de nossa balança comercial sofreu uma redução de 12 bilhões de reais, já como resultado da equivocada política iniciada no ano anterior, inclusive quando voltada para o Mercosul.

Os entraves, na maioria, estão ligados à burocracia e ao sistema tributário atual, onde o excesso de leis e tarifas atravanca a fluidez dos processos. Mais difícil de superar, contudo, é a infraestrutura precária, que exigiria investimentos para melhorar e, assim, facilitar a logística de mercadorias, aumentando nossa competitividade.

O país precisa aumentar sua participação no mercado mundial. Para isso, é importante intensificar as negociações para a celebração de acordos comerciais, promover investimentos em infraestrutura, e ampliar os esforços para eliminar barreiras às exportações brasileiras.

Pode parecer primário, mas tanto as exportações quanto as importações se incorporam ao desenvolvimento econômico dos países.

O que falta para completar a produção interna é importado; o que sobra, é exportado para quem não tem. Simples assim? Nem sempre. Ou, pelo menos, não da forma como deveria ser. Há uma valoração intrínseca a cada produto, em moeda, que desde os primórdios se chamou comércio internacional, com organismos, fóruns, regras, tarifas, todos específicos, até mesmo levando a conflitos locais e guerras mundiais.

Até aqui, em se tratando de comércio exterior, discorri sobre o óbvio. Talvez, pudesse ter adicionado mais números, dados estatísticos, posições logísticas, perspectivas.

O que acredito que não seja repetitivo, embora já tenha abordado o assunto em minhas colaborações jornalísticas, é a necessidade de explicar como se dá a pirataria sobre o trabalho nacional nas importações.

Escrevo com propriedade, pois em várias empresas pequenas e médias do setor de insumos agrícolas que assessorei, e que se aventuraram a desenvolver produtos de marcas internacionais, com raras exceções, obtiveram sucesso.

Publicações técnicas, estrangeiras e nacionais, bem como cientistas e agrônomos, relatam tecnologias desenvolvidas no exterior como adequadas para aumentar a produtividade e sanidade dos solos brasileiros, sem o uso de agrotóxicos, em diversas culturas. Empresários nacionais entram em contato com algum produtor externo da tecnologia e se propõem a distribuir o produto no Brasil. Se o fornecedor se interessar (quem não se interessaria, considerando a dimensão do mercado agrícola brasileiro?), ele proporá um “contrato de distribuição exclusiva”. O empresário brasileiro então banca testes de eficiência agronômica em um instituto de pesquisas credenciado pelo Ministério da Agricultura. Com a aprovação dos produtos, ganha um registro que lhe dá direito à comercialização do produto. Alvíssaras pelo começo: treinamento de rede de vendas, palestras, doações para experimentos e dias de campo, confecção de folhetos, publicidade em mídias convencionais e internet.

Com o tempo, o consumo do produto se torna líder de vendas. Valeu a pena pesquisar, passar um ano negociando, acreditar em comércio justo, investir? Oba! Você vai começar a obter retorno. Infelizmente, não.

Tudo conquistado, os fornecedores resolvem abrir uma filial no Brasil e canibalizam seu trabalho e o capital investidos, passando a competir diretamente com você.

E o que nos resta? Apenas pedir desculpas e mais nada dizer.

Inté!

(Uma versão deste texto foi originalmente publicada na Revista Brasileira de Comércio Exterior nº 159)

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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