

Opinião
Os riscos do comércio exterior de produtos do agro fora do mainstream
A “pirataria” nas importações prejudica pequenos e médios empresários, que investem em tecnologias estrangeiras apenas para serem posteriormente superados por filiais dessas mesmas empresas


O Brasil tornou-se importante protagonista do comércio internacional devido à sua vasta extensão territorial e às suas propriedades edafoclimáticas, que o tornam um grande exportador de produtos com características de commodities. Isso ocorreu, em grande parte, devido ao período positivo impulsionado pela globalização das economias.
Isso permitiu que a estrutura e a pauta de exportações incluíssem os complexos vegetais graníferos (soja in natura, farelo, torta), milho (in natura e etanol), laranja (de mesa e suco concentrado), carnes (bovina, avícola e suína); cafés arábica e conilon (grãos e beneficiados), algodão (pluma, fios, tecidos), celulose e produtos florestais.
A combinação de um vasto território com a presença de depósitos de diversos recursos minerais, aliada à implementação de uma visão econômica baseada no modelo nacional-desenvolvimentista e na substituição de importações, desde o período de Getúlio Vargas até os governos resultantes do golpe civil-militar de 1964, permitiu que o Brasil se consolidasse como produtor de combustíveis fósseis, minérios e seus derivados. Assim, gradativamente, foram acrescentados à produção primária vegetal os óleos brutos de petróleo ou de betuminosos; minério de ferro e seus concentrados; produtos e peças para a Indústria da transformação; veículos leves e pesados.
Até aí ou pouco mais, o agronegócio de exportação era visto “assim do alto”, como Paulinho da Viola via a Mangueira. Alguns empresários, no entanto, tomaram uma lupa e, com o apoio de órgãos públicos como a FUNCEX e a APEX, começaram a olhar mais de perto para dentro de suas empresas, linhas de pesquisa e produtos primários com base em commodities direcionadas tanto ao mercado externo quanto ao interno. Economistas e políticos também perceberam o potencial em produtos manufaturados e processados de origem no agronegócio.
Graças a essa percepção, diversificamos acentuadamente nossa pauta de exportações, alcançando a marca de mais de cem produtos diferentes, sem contar até onde isso poderia ser levado caso a biodiversidade originária de nossos ricos biomas fosse bem aproveitada e precificada.
Nos últimos anos, no entanto, principalmente devido à desastrosa política externa, econômica e diplomática do governo Bolsonaro, o país perdeu cinco posições no ranking de exportações. Do 22º lugar em 2008 para o 27º hoje, segundo a OMC. Uma queda de 7% em 2019, quando escolhemos, justamente, nossos principais parceiros para nos afastarmos: China, Índia e Rússia, os BRICS, de que hoje voltamos a presidir.
É claro que a forma como, nos últimos anos, a indústria nacional vem sendo impedida de crescer pela prevalência de uma política financista de juros que privilegiam os interesses financeiros em detrimento dos interesses produtivos, limita o potencial de crescimento das exportações.
Em 2020, o saldo de nossa balança comercial sofreu uma redução de 12 bilhões de reais, já como resultado da equivocada política iniciada no ano anterior, inclusive quando voltada para o Mercosul.
Os entraves, na maioria, estão ligados à burocracia e ao sistema tributário atual, onde o excesso de leis e tarifas atravanca a fluidez dos processos. Mais difícil de superar, contudo, é a infraestrutura precária, que exigiria investimentos para melhorar e, assim, facilitar a logística de mercadorias, aumentando nossa competitividade.
O país precisa aumentar sua participação no mercado mundial. Para isso, é importante intensificar as negociações para a celebração de acordos comerciais, promover investimentos em infraestrutura, e ampliar os esforços para eliminar barreiras às exportações brasileiras.
Pode parecer primário, mas tanto as exportações quanto as importações se incorporam ao desenvolvimento econômico dos países.
O que falta para completar a produção interna é importado; o que sobra, é exportado para quem não tem. Simples assim? Nem sempre. Ou, pelo menos, não da forma como deveria ser. Há uma valoração intrínseca a cada produto, em moeda, que desde os primórdios se chamou comércio internacional, com organismos, fóruns, regras, tarifas, todos específicos, até mesmo levando a conflitos locais e guerras mundiais.
Até aqui, em se tratando de comércio exterior, discorri sobre o óbvio. Talvez, pudesse ter adicionado mais números, dados estatísticos, posições logísticas, perspectivas.
O que acredito que não seja repetitivo, embora já tenha abordado o assunto em minhas colaborações jornalísticas, é a necessidade de explicar como se dá a pirataria sobre o trabalho nacional nas importações.
Escrevo com propriedade, pois em várias empresas pequenas e médias do setor de insumos agrícolas que assessorei, e que se aventuraram a desenvolver produtos de marcas internacionais, com raras exceções, obtiveram sucesso.
Publicações técnicas, estrangeiras e nacionais, bem como cientistas e agrônomos, relatam tecnologias desenvolvidas no exterior como adequadas para aumentar a produtividade e sanidade dos solos brasileiros, sem o uso de agrotóxicos, em diversas culturas. Empresários nacionais entram em contato com algum produtor externo da tecnologia e se propõem a distribuir o produto no Brasil. Se o fornecedor se interessar (quem não se interessaria, considerando a dimensão do mercado agrícola brasileiro?), ele proporá um “contrato de distribuição exclusiva”. O empresário brasileiro então banca testes de eficiência agronômica em um instituto de pesquisas credenciado pelo Ministério da Agricultura. Com a aprovação dos produtos, ganha um registro que lhe dá direito à comercialização do produto. Alvíssaras pelo começo: treinamento de rede de vendas, palestras, doações para experimentos e dias de campo, confecção de folhetos, publicidade em mídias convencionais e internet.
Com o tempo, o consumo do produto se torna líder de vendas. Valeu a pena pesquisar, passar um ano negociando, acreditar em comércio justo, investir? Oba! Você vai começar a obter retorno. Infelizmente, não.
Tudo conquistado, os fornecedores resolvem abrir uma filial no Brasil e canibalizam seu trabalho e o capital investidos, passando a competir diretamente com você.
E o que nos resta? Apenas pedir desculpas e mais nada dizer.
Inté!
(Uma versão deste texto foi originalmente publicada na Revista Brasileira de Comércio Exterior nº 159)
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Agro é tech, mas não é pop: as polêmicas da produção de algodão no Brasil
Por Yamê Reis
Rotas de Integração com América do Sul farão PIB saltar pelo menos 1% ao ano a partir de 2026, projeta Tebet
Por CartaCapital
Sem controle adequado, bancos públicos financiaram o avanço ilegal do agronegócio na Amazônia
Por Wendal Carmo