

Opinião
Os riscos da profissionalização
Não raro, os valores do esporte de alto rendimento são turvados pela obsessão em se fazer dinheiro e pela entrada da ganância em campo


Quando se está entusiasmado com a oportunidade de ver exibições espetaculares de outros esportes, como as classificatórias olímpicas, as disputas do atletismo, como a Diamond League, ou a Copa do Mundo de Ginástica Artística, chega a notícia de que, em todos os dias da semana, a televisão e outros meios vão mostrar jogos do Brasileirão.
Tristemente, vemos, ao mesmo tempo, aumentar nas páginas policiais a frequência de notícias relativas a atos de violência ligados ao esporte.
Tivemos até dirigente indo às “vias de fato”. Na terça-feira 19, o vice-presidente de futebol do Flamengo, Marcos Braz, envolveu-se em uma briga feia com um torcedor em um shopping no Rio de Janeiro.
O ideal seria que mais gente pudesse praticar esportes e, mais que isso, se desenvolvesse em altos níveis, para que a profissionalização se tornasse um sonho mais comum e fácil de se realizar.
O problema é que, muitas vezes, os valores do esporte de alto rendimento são turvados pela obsessão em se “fazer dinheiro”, entrando em campo assim a cegueira da ganância.
Dessa forma, o esporte ligado, unha e carne, à ideia de saúde vai ficando para trás. Continuam surgindo, em seu lugar, casos e mais casos de insanidade física e mental, que vão desaguar em hospitais e delegacias.
O atropelo de Copas, torneios, campeonatos, uns se sobrepondo aos outros, obriga os “estressados” técnicos e suas comissões a poupar jogadores importantes que também jogam pelos selecionados de seus países e utilizar equipes reservas. Prejudica-se, dessa forma, a qualidade dos conjuntos.
Mas não há nem tempo nem espaço para satisfazer o “saco sem fundo” dos insaciáveis donos da verdade, movidos quase sempre por interesses financeiros.
Como parte da grande valorização pela qual tem passado nas sociedades modernas, o esporte precisa ocupar um lugar compatível com o seu peso na balança. O esporte de alto rendimento, graças à sua geração de renda cada vez mais expressiva, deve estimular o Estado brasileiro a investir no esporte.
Como tenho dito aqui, defendo a criação de um Sistema Único do Esporte (SUE), à semelhança do vitorioso SUS.
E, bem, baixando agora a bola, chega ao fim a Copa do Brasil com os confrontos entre São Paulo e Flamengo, com a finalíssima sendo jogada no Estádio Cícero Pompeu de Toledo, no Morumbi, depois do sucesso do tricolor paulista no primeiro jogo no Maracanã.
A vitória por 1 a 0, que coloca o São Paulo em vantagem para a partida do domingo 24, acabou por explodir a crise rubro-negra. Vêm de longe os desacertos do Flamengo e, se é que ainda podem ser amenizados, isto só acontecerá se houver uma vitória no Morumbi, com a conquista do título.
De toda forma, acho que nada mais poderá ser disfarçado no desmoronamento do time do Flamengo. A própria diretoria do clube não teve outro jeito senão confessar que, no fim do ano, haverá uma reestruturação radical no elenco. Providência que, convenhamos, já deveria ter sido tomada há algum tempo.
O ambiente acabou ficando irrespirável com a convivência de nomes, embora ídolos dos torcedores, vencedores em outra época, mas desgastados com contratações conflitantes. Tudo isso em meio aos jovens que o clube prepara na base e lutam pelos seus espaços.
Além da perda seguida de vários títulos, a torcida teve agora de lidar com essa derrota no primeiro dos dois jogos da Final da Copa do Brasil.
Vemos os torcedores em desespero diante da instabilidade total do treinador Jorge Sampaoli, sem condições de ser substituído de imediato, mas também sem condições de seguir no comando do time.
Esta situação, em um clube de massa e em um período tenso como este que estamos vivendo, gera consequências irrefreáveis.
No plano internacional do futebol, a temporada 2023/2024 seguirá tendo, como grande espetáculo, a Champions League, que é onde mora o melhor futebol da contemporaneidade.
Se são surpreendentes os resultados da Champions, não menos surpreendente é a disposição dos países árabes de ingressar no Primeiro Mundo do futebol.
Embora ainda faltem muitos detalhes, os “petrodoleiros” prometem cortar caminho, levando as “joias” que acenam com a possibilidade de encerrar carreiras em suas plagas. •
Publicado na edição n° 1278 de CartaCapital, em 27 de setembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os riscos da profissionalização’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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