

Opinião
Os prejuízos ambientais da exploração de petróleo na Foz do Amazonas
Nada justifica o ingresso do Brasil nessa aventura tecnológica ultrapassada, de altíssimo risco ambiental e de impagável custo humanitário


Às vésperas da COP30, em novembro, o Brasil mostrou ao mundo sua face petrolífera. O poço exploratório no bloco FZA-M-059, na Foz do Amazonas, recebeu licença exploratória e vai ser imediatamente perfurado.
Há fortes evidências de que a pressão política se intensificou diante do vencimento do aluguel da sonda destinada ao projeto. “Se não começarmos a perfurar até o dia 21 [de outubro], essa sonda pode ser retirada da locação, e o processo teria de começar do zero”, afirmou a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, durante um evento do Conselho Empresarial de Petróleo e Gás da Firjan, no Rio de Janeiro.
Sem apresentar estudos comprobatórios de segurança devido à fragilidade da alternativa locacional e impactos impossíveis de mitigar em caso de vazamentos, durante cinco meses a Petrobras passará a perfurar o poço com nome de borboleta azul, o “Morpho”.
A perfuração se dará em busca de certeza de exploração fóssil em “escala econômica”. De outro lado, já se anuncia exploração que pode chegar à extração de 30 bilhões de barris de petróleo na região. Uma vez consumido, cada barril se transforma em 420 a 440 quilos de carbono. Com isso, o Brasil será responsável pela extração que gerará nada menos do que 13 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera.
Segundo economistas da Universidade de Stanford, para que represente real mitigação dos impactos econômicos no aquecimento global, o preço da tonelada de carbono deveria custar cerca de 1.200 dólares. Então estamos falando de prejuízo econômico planetário avaliado, grosso modo (uma vez que vida e ecossistemas não são precificáveis), em aproximadamente 15 trilhões de dólares. Prejuízo à sociedade humana, especialmente aos mais vulneráveis, por meio de furacões, tempestades, secas, insegurança hídrica e alimentar, além de outros infortúnios causados pelo desequilíbrio climático.
A Petrobras reservou 3 bilhões de dólares de seu plano estratégico de 2025 a 2029 para perfurar 15 poços nas diferentes bacias da Margem Equatorial. Mesmo sem considerar que o custo de operações para extração em águas profundas é altíssimo, o rendimento do petróleo, a 60 dólares o barril, poderá representar cifra total de 1,8 trilhão de dólares, com prejuízo econômico global da ordem de 12 trilhões de dólares nesse “novo pré-sal”. Sem falar de aspectos ecossistêmicos e humanitários. Mesmo assim, a Petrobras afirma que irá operar na Margem Equatorial com “segurança, responsabilidade e qualidade técnica”.
Sem ciência, sem conhecimento e sem informação devida à sociedade e à humanidade, e contas inadequadas, de imediato o Brasil enfrentará vexame inevitável, como país anfitrião da COP30, que se inicia em 10 de novembro em Belém do Pará. Não terá lastro como liderança ecológica para pedir comprometimento climático aos demais países depois dessa decisão desastrosa.
Também há os riscos imediatos envolvidos. O contexto representa péssima alternativa locacional. A área de exploração está envolta por ecossistemas frágeis que não apresentam possibilidades de mitigação em caso de vazamentos.
Em 2023, a pedido do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, a professora Yara Schaeffer-Novelli, do Instituto Oceanográfico da USP, encaminhou uma Nota Técnica ao Ibama alertando sobre a alternativa locacional pretendida: “Tem toda uma complexidade que não está sendo levada em consideração pelo estudo de impacto ambiental e que, em caso de vazamento, complicaria em demasia qualquer tipo de estratégia de mitigação”.
Novelli, na nota, conclui: “Podem ser consideradas frágeis as afirmações da empresa no que tange à eficiência das respostas emergenciais aos possíveis casos de emergência, praticamente desconsiderados pela proponente ao descartar a possibilidade de toque do óleo na linha de costa. Equipe de profissionais das ciências do mar descreveram a existência das chamadas “ondas internas”, tecnicamente denominadas de vórtices, que se formam na corrente em direção norte, a partir da bifurcação da Contracorrente Sul Equatorial. Na hipótese das atividades de prospecção e de exploração de óleo e gás registrarem vazamentos na Margem Equatorial, esses vórtices dispersariam as manchas em direção aos ecossistemas costeiros”.
Um dos princípios basilares da avaliação de impacto é, sem nenhuma dúvida, as características da alternativa locacional. No presente caso, lembra a professora, importante destacar as “responsabilidades assumidas pelo Brasil ao avalizar e ratificar acordos, convenções e tratados internacionais, além da designação dos diversos tipos de Unidades de Conservação”.
Novelli ressalta: “Na região da Margem Equatorial brasileira da Foz do Rio Amazonas, sob influências diretas e indiretas da prospecção e posterior exploração de petróleo e gás, são quatro as áreas especialmente protegidas, ademais do Grande Sistema de Recifes do Amazonas, a saber: Parque Nacional do Cabo Orange – Unidade de Conservação de Proteção Integral; Sítio Ramsar Parque Nacional do Cabo Orange; Estação Ecológica de Maracá-Jipióca; Sítio Ramsar Regional Estuário do Amazonas e seus manguezais (AP, PA, MA, PI, CE); e Sítios Ramsar Reentrâncias Maranhenses e Baixadas Maranhenses”.
Havia errônea expectativa de que o DNA ecológico do Brasil, de florestas e biodiversidade, lhe conferisse status mais adequado para sediar a COP30, destacando-se dos petroestados que o antecederam como anfitriões.
Mas a escolha do Brasil foi fóssil. Nada justifica o ingresso do Brasil nessa aventura tecnológica ultrapassada, de altíssimo risco ambiental e de impagável custo humanitário.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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