Luiz Gonzaga Belluzzo

[email protected]

Economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

Opinião

Os poderes do dinheiro

Os mercados financeiros perderam a capacidade de avaliar os preços dos ativos. O medo esmagou a ganância

Dólares (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Apoie Siga-nos no

As torres de marfim dos economistas, práticos e acadêmicos, estão alvoroçadas com as descobertas da Moderna Teoria Monetária. Em meio à ruptura dos mercados provocada pela pandemia, ganhou mais força de novidade o poder de criação monetária abrigado nos bancos e nos Bancos Centrais. Amigos que se dedicam ao estudo do dinheiro e de sua história de estripulias sentem incômodos diante da reapresentação do Velho Monarca dos mercados com a roupagem de um influencer novidadeiro.

Vamos passar a bola para um historiador. Em sua obra Civilização Material e Capitalismo, Fernand Braudel afirma que “é na cúspide da sociedade que o capitalismo afirma a sua força e revela a sua natureza. É na altura dos Bardi, dos Jacques Coer, dos Fugger, dos John Law e dos Necker que devemos fazer as perguntas, que temos a chance de descobrir o capitalismo”.

Braudel não está falando do mercado, do jogo das trocas que, desde a antiguidade, se insinua nos interstícios da vida social. Ele está se referindo ao capitalismo dos bancos, ou seja, à ordem econômica em que o dinheiro não é apenas um intermediário nas transações, mas a forma geral da riqueza e o objetivo final da concorrência entre os produtores. O capitalismo supõe o mercado, mas o mercado apenas anuncia a possibilidade do capitalismo que só se efetiva quando a produção se organiza sob uma forma adequada ao propósito do ganho monetário e não apenas para a troca eventual de mercadorias, destinada simplesmente a diversificar o consumo dos produtores independentes.

A produção organizada diretamente para a troca, ou seja, o intercâmbio generalizado de mercadorias, só pode existir sob o capitalismo. A sociabilidade dos produtores privados que produzem diretamente para a troca começa a ser definida a partir da numeração das mercadorias – inclusive dos proprietários da força de trabalho – por uma medida comum de valor.

Numa segunda etapa, os indivíduos “separados” devem se sub- meter ao teste do reconhecimento social da “declaração” de valor de seu produto mediante o veredicto anônimo do mercado. Isto é, a mercadoria particular deve transfigurar-se realmente em sua forma geral, o dinheiro.

Se, no “salto-mortal” para o dinheiro a mercadoria sucumbe, o produtor também soçobra. O dinheiro é, portanto, fundamento das relações entre os produtores privados e, por outro lado, o único critério quantitativo admissível para a avaliação do enriquecimento privado.

Esse sistema complexo, em sua evolução, criou uma forma interessante de criar dinheiro para dar início ao jogo do mercado. O dinheiro criado pelos bancos foi adquirindo um caráter universal, ou seja, deve ser aceito em todas as negociações, transações e, sobretudo, na marcação do valor da riqueza registrada nos balanços. Não só as mercadorias têm de receber o carimbo monetário, mas a situação patrimonial, devedora ou credora das empresas e dos bancos deve es- tar registrada nos balanços. Nesse caso, o dinheiro aparece em sua função de re- serva de valor, forma geral da riqueza.

O Estado é o senhor da moeda, mas os bancos, sob a supervisão e o controle do Banco Central, são incumbidos da criação monetária. Os “fluxos de crédito” promo- vem contínuas mudanças na composição nos estoques de riqueza. São íntimas as relações entre o avanço do sistema de crédito e a acumulação de títulos que representam direitos sobre a renda e a riqueza.

Gerado ao logo de vários ciclos de dinheiro de crédito, esse estoque de certificados de propriedade (ações) e títulos de dívida é avaliado diariamente nos mercados organizados. Essa avaliação depende fundamentalmente das expectativas dos agentes do mercado. Essas expectativas flutuam conforme as ondas de otimismo e pessimismo ou, se quiserem, conforme a alternância entre a ganância e o medo.

Na crise do coronavírus, os mercados financeiros perderam a capacidade de avaliar os preços dos ativos. O medo esmagou a ganância. Os senhores da riqueza financeira precipitaram seus portfólios na busca desesperada pelo dinheiro. Se todos querem vender, ninguém quer comprar. Só o provimento de grana pelo Banco Central salva os desesperados. Os bancos centrais salvaram e estão a salvar. Os mercados socorridos aprofundam as divergências abissais entre a valorização das ações nas bolsas de valores e a derrocada do circuito de formação da renda e do emprego.

Os atônitos comentaristas econômicos da mídia não sabem se aplaudem as bolsas de valores eufóricas ou se pranteiam os milhões de desempregados que vagueiam pelo planeta. É a mesma turma que repete sem cessar na cola dos Paulo Guedes da vida: “Não há dinheiro”.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo