Paulo Nogueira Batista Jr.

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Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Os inimigos do governo Lula

Deixado ao relento na composição do ministério, o mercado se desespera

Os inimigos do governo Lula
Os inimigos do governo Lula
Foto: EVARISTO SA / AFP
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O governo Lula tem muitos inimigos, como se sabe, alguns abertos, outros nem tanto. Começo pelos inimigos declarados: a extrema-direita, fascistoide, bolsonarista. Arrisco o seguinte comentário. A extrema-direita é inegavelmente forte, vide o resultado apertado da eleição presidencial, o sucesso bolsonarista nas eleições para o governo de alguns estados importantes e, também, para o Senado e a Câmara. Mas ela não derruba o governo. Atrapalha, tumultua, coloca vidas em risco, assassina, pratica o terrorismo, destrói patrimônio público, mas não tem força nem apoio interno ou internacional para virar o jogo.

O principal efeito político da agitação da extrema-direita, no meu entender, é enfraquecer o governo Lula, pelo menos um pouco, na disputa com outras forças internas hostis. Refiro-me aos militares, ao Centrão e, em especial, ao bloco formado pelo capital financeiro (o chamado “mercado”) e o seu puxadinho, a mídia tradicional. Não é fácil enfrentar tudo isso ao mesmo tempo.

O “mercado” e a mídia tradicional estão pessimistas e até desesperados, segundo se noticia. A minha interpretação é de que isto se deve ao fato de que Lula compôs com o Centrão, por intermédio de Arthur Lira e outros líderes políticos, e com os militares, por meio do ministro da Defesa, José Múcio, mas deixou o “mercado” e adjacências basicamente ao relento. Fez e ainda fará concessões a esses interesses, mas não os atendeu muito na escalação da área econômica. Diferentemente do que aconteceu no primeiro governo Lula, no período em que Antonio Palocci, de triste memória, foi ministro da Fazenda, a turma da bufunfa não tem hegemonia. Tem, é verdade, o comando do Banco Central, garantido pela lei de autonomia, mas queria mais, sobretudo no Ministério da Fazenda, o mais importante dos que resultaram da subdivisão do Ministério da Economia.

A estratégia de Lula, se é que a estou entendendo bem, me parece correta. O bloco capital financeiro-mídia tradicional, com suas ramificações no exterior, é o adversário potencialmente mais perigoso. Tem poder real, econômico e político. E conta com uma legião de economistas e jornalistas que são funcionários matriculados do status quo e porta-vozes dos seus interesses. Sempre com grande repercussão na mídia, fazem frequentemente o que ficou conhecido como terrorismo econômico ou fiscal. Um tipo de terrorismo que pode ser mais danoso do que o terrorismo dos bolsonaristas. E espalham, também, a desinformação econômica.

Vou pegar um desses economistas para Cristo: Arminio Fraga, que foi por um longo período presidente do Banco Central no governo FHC. Em entrevista de página inteira à Folha de S.Paulo no domingo 8, Fraga combinou arrogância com argumentos falhos. A entrevista é longa, dou apenas alguns exemplos. Ele se declarou, primeiramente, altamente preocupado com a economia no novo governo. Os sinais, disse ele, não são bons e podem levar a um “desastre econômico”. O governo completava uma semana, leitor, mas o economista já falava em “desastre”…

O entrevistado lamentou que o governo não esteja caminhando para o modelo do primeiro mandato de Lula: “Depois do Palocci, a estratégia mudou radicalmente – e foi esse erro que desembocou no colapso da economia”. A sua visão da evolução recente da economia brasileira é distorcida, para não usar palavra mais forte. Fraga atribui, na caradura, o colapso da economia em 2015 e 2016 ao “buraco fiscal que começou em 2014 e 2015”. E, acrescenta a essa afirmação, sem fazer sentido algum: que “hoje, parte da herança que o presidente Lula recebe veio dele próprio”. Ora, o segundo mandato de Lula terminou em 2010. Como responsabilizá-lo por um “buraco fiscal iniciado em 2014 e 2015”? A política fiscal talvez tenha sido mesmo excessivamente expansionista em 2014, como costuma ocorrer em anos de eleição. Mas, em 2015, a gestão foi do ministro Joaquim Levy, que fez um forte e fracassado ajustamento ortodoxo, ponto omitido por Fraga, talvez para proteger um membro da sua tribo de funcionários do status quo.

Seja como for, pode-se atribuir o colapso da economia em 2015 e 2016 exclusiva ou mesmo preponderantemente a erros de política econômica do governo Dilma? Como omitir, por exemplo, os efeitos econômicos desastrosos da crise política desencadeada para derrubar o governo e atingir outros objetivos? Refiro-me, claro, às pautas-bombas no Congresso e à Lava Jato.

O economista pede “humildade” e clama por autocrítica dos petistas e dos heterodoxos. Não dá sinal algum, entretanto, de que pretenda fazer uma autocrítica da gestão econômica da qual participou em posição de destaque. FHC entregou a economia aos pedaços a Lula em 2002, mas Fraga não teve nada a ver com isso.  •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1242 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE JANEIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Os inimigos do governo Lula “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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