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Opinião

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Os grandes irmãos

Para defender seus lucros, as Big Techs lutarão ao lado de seus principais clientes e apoiadores da extrema-direita

Rita Von Hunty (Foto: Reprodução/Redes sociais)
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Há 75 anos, o intelectual-ensaísta, jornalista e romancista britânico Eric Arthur Blair, mais conhecido por seu pseudônimo, George Orwell, terminava uma das obras que o eternizariam: 1984.

Na distopia política ali narrada, uma sociedade de vigilância incessante e que usa da desinformação como ferramenta de dominação político-ideológica torna-se um pesadelo para quem percebe seu funcionamento e deseja combatê-la.

Passado quase um século desde a publicação do livro, em 1949, descobrimos que, sim, “o grande irmão está nos observando”. Mas, em vez da aparência de “Estado Totalitário”, ele urdiu-se como empresa de Big Tech e apresentou-se como rede social.

A imaginação política de Orwell volta à baila à medida que, no Ocidente, parecemos ver o fim do que Fukuyama chamou, em 1989, de “o fim da história”. Há, em curso, um esfacelamento das democracias liberais burguesas e de seu modelo de “representação” capenga, incapaz de produzir democracia real no que diz respeito à participação popular nas decisões políticas dos Estados.

Vale também ressaltar o que parece ser inédito desde o fim da Guerra Fria: a hegemonia econômica e militar dos Estados Unidos está em xeque. Para além disso, há uma grave e longa guerra deflagrada em solo europeu. Neste cenário de incertezas, a disputa por mentes e corações intensifica-se e, com isso, as guerras pela narrativa do nosso tempo ficam cada vez mais evidentes. Quem não compreender isto, não será capaz de compreender nada.

No Brasil, a tramitação do Projeto de Lei 2.630/2020, o PL das Fake News, e suas repercussões vão delineando tanto a conjuntura do tempo presente quanto as dimensões mais alarmantes daquilo que alguns autores chamam de “estágio tecnofascista do capitalismo”.

De acordo com esta visão, estamos atravessando uma fase posterior àquela de acumulação de nossos dados pelas plataformas, que lucram com sua comercialização e com a exploração de uma economia da atenção – focada na captura de usuários por meio de seus sentimentos mais básicos, como o ódio, por exemplo.

Na infraestrutura da sociedade, esse estágio depende de intensificação da mineração. Já na superestrutura, ele exige uma narrativa que justifique seu modo operante. No Brasil, as duas esferas são bem nítidas, desde os horrores produzidos pelo garimpo e a mineração até a formação de uma “bancada das Big Techs” no Congresso Nacional. Composta de representantes da extrema-direita nacional, ela atua em defesa dos interesses de tais empresas pela não regulação da internet no Brasil.

Esses agentes tentam produzir no debate público a noção de que o PL almeja a censura. Não coincidentemente, na manobra discursiva deles, a obra de Orwell volta a ser usada em metáfora ameaçadora e falaciosa sobre a criação de um “ministério da verdade”, organizado para impedir a “liberdade de expressão”. Falta, contudo, informar que tal receio existe apenas por parte daqueles e daquelas que se elegeram produzindo, viralizando e investindo pesado na divulgação de discursos de ódio e notícias falsas nas redes.

É necessário que nos perguntemos a quem interessa que a produção de notícias falsas e a proliferação da ideologia nazifascista sigam a se propagar de forma indiscriminada. A resposta não pode se apresentar com nuance de dúvida, ainda mais depois de terem se tornado públicos os escândalos de manipulação das eleições estadunidenses e o envolvimento da ­Cambridge Analytica, ligada então ao Facebook.

Para defender seus “bons negócios”, as Big Techs lutarão ao lado de seus principais clientes e apoiadores, nominalmente, da extrema-direita. Tal luta chegou a pontos extremos no Brasil, e não nos esqueçamos: somos o segundo país do mundo em tempo de tela, e aqui a extrema-direita vai muito bem, obrigado.

A página inicial do Google no País anunciou manchete sob sua caixa de busca, em que dizia que o PL iria piorar a internet no Brasil, direcionando quem nela clicasse a um artigo de opinião da empresa. O YouTube enviou e-mail a todos os seus produtores de conteúdo, alertando-os de que a aprovação do PL teria impacto negativo nas suas receitas e anúncios.

O Telegram disparou mensagens aos usuários dizendo que a futura lei “irá acabar com a liberdade de expressão” e “matará a internet moderna, se for aprovado com a redação atual”. O Instagram limitou o alcance de vídeos e postagens que defendessem o PL e potencializou o alcance de quem fosse contrário a ela.

Os episódios a que estamos assistindo parecem não deixar dúvida: entre a democracia ou a manutenção de suas taxas de lucro, os liberais escolherão, mais uma vez, o lado dos fascistas. •

Publicado na edição n° 1259 de CartaCapital, em 17 de maio de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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