

Opinião
Os deuses da bola
Se, apesar do mau momento do futebol brasileiro, continuamos a ver os jogos, é porque eles ainda nos reservam emoções como as da partida entre Palmeiras e Corinthians


As duas últimas semanas tiveram, no futebol, alguns acontecimentos curiosos. A vitória do América por 2 a 0 sobre o Cruzeiro, na quinta-feira 15, no Mineirão, pela quinta rodada do estadual, levou Rodrigo Varanda, autor do segundo gol, a mandar os torcedores do time adversário, que se espantaram com o resultado, a “morder as costas”.
“Fazer o quê? Tá puto? Morde as costas!” Achei inusitada a expressão.
Outra marca importante dos últimos dias foi a conquista do bicampeonato da Supercopa feminina pelo Corinthians.
Depois de haver derrotado o Flamengo e a aguerrida Ferroviária de Araraquara, que segue sempre agarrada no calcanhar das “mosqueteiras”, o Timão venceu o Cruzeiro na Neo Química Arena, no domingo 18, e levou o título.
Outro dia, neste espaço, lembrei que, apesar de todas as queixas contra o futebol brasileiro – dentre elas o desacerto cruel da organização e a falta de um número maior de grandes craques, algo que sempre orgulhou os torcedores –, nunca se desiste de torcer.
E, se isso acontece, é também porque, volta e meia, as surpresas surgem.
Não adianta a gente ficar reclamando e dizer que não vai mais assistir aos jogos neste momento em que, todos sabemos, é necessária uma “chacoalhada” no futebol brasileiro.
O encontro ferrenho entre Palmeiras e Corinthians, no domingo 18, na Arena Barueri, deixou todo mundo de queixo caído pelo que se passou dentro de campo.
A partida já se aproximava dos últimos minutos e o placar traduzia a lógica dos dois adversários.
O Palmeiras, sendo o melhor time do momento, com todo o poderio do prestigiado elenco e entrosamento, vencia a disputa por dois gols incontestáveis até para a renhida Fiel corintiana.
A partir de então, aconteceu tudo o que não se poderia imaginar em sã consciência: obra da magia dos famosos deuses do futebol, que fazem a paixão enlouquecida dos torcedores. O Palmeiras abriu o placar com Endrick, no primeiro tempo.
No segundo tempo, teve um gol do lateral Marcos Rocha anulado por ter recebido a bola em um impedimento mínimo, que destruiu uma jogada espetacular e deixou a sensação de injustiça. Paciência.
Mas veio na sequência o gol que deixou o placar em 2 a 0.
Já com o jogo se encaminhando para a reta final, o técnico corintiano, António Oliveira, promoveu mudanças e Yuri Alberto fez o gol de honra aos 87 minutos, diminuindo a diferença.
E então o Corinthians, com dois jogadores a menos, um lesionado e outro, o lendário goleiro Cássio, expulso ao cometer uma falta para evitar a “pá de cal” que seria o terceiro gol palmeirense, viu-se obrigado a substituir o “guapo” por um jogador que atua na defesa.
Em tamanho desespero, tendo de fazer essa escolha, foi mandado para o gol o zagueiro Gustavo Henrique. Ninguém conseguiu – nem ele mesmo – explicar o critério dessa escolha. Deve ter sido por ele ser o mais alto de todos.
No meio de tudo isso, o alvinegro teve uma falta a seu favor.
A falta, em princípio inofensiva, dada a distância, na intermediária, promoveu outra situação inusitada. Cobrada por Rodrigo Garro, um dos novos contratados na reforma pela qual vem passando o clube, ocasionou, aos 54 minutos, um belíssimo gol.
O chute foi tão bem executado que o excelente Weverton, sabe-se lá por influência de que forças transcendentais, recolheu os braços. A bola caprichosa foi parar no fundo da rede depois de bater no ângulo da trave e deslizar até o lado oposto.
Como se tudo isso não fosse suficiente, o Palmeiras, sem acreditar no que acontecia, ainda partiu para cima nos instantes finais.
O alviverde conseguiu um chute a gol que passou entre as mãos desajeitadas do falso goleiro, mas não cruzou a linha fatal porque, por um verdadeiro milagre, havia sobre ela o volante Raniele, que expulsou para longe a bola encantada.
As expressões arrasadas do técnico palmeirense, Abel Ferreira, e o ar incrédulo dos torcedores alviverdes saindo aos poucos do estádio, carregando o mundo nas costas, resume o fenômeno inimaginável visto em campo.
E é por essas e outras que, desmandos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e resultados contestáveis das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) à parte, seguimos acompanhando as partidas, sofrendo e vibrando. •
Publicado na edição n° 1299 de CartaCapital, em 28 de fevereiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os deuses da bola’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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