

Opinião
Os cuidados com a saúde mental dos trabalhadores das ONGs
É urgente que ativistas e organizações incorporem esse compromisso


“Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina.”
Paulo Freire
Hoje, 27 de agosto, celebramos o dia da psicóloga e do psicólogo, profissão que escolhi há mais de vinte anos. Neste segundo texto para a Carta Capital, revisito um artigo que escrevi em 2021, intitulado “Ativista, como anda a sua saúde mental?”.
Quando criança, sonhava em seguir uma profissão que ajudasse as pessoas a serem mais felizes. Foi assim que escolhi a psicologia. Nestes quase vinte anos de formação e prática, tenho buscado equilibrar ativismo, religião e saberes psicológicos.
Dois pontos me motivaram a retomar esse debate. O primeiro é a preocupação crescente com a saúde mental de muitos amigos e colegas que atuam em trabalhos com causa e em organizações da sociedade civil. Este texto é para vocês. O segundo é a observação de como as redes sociais – hoje centrais na vida e na militância digital – se tornaram ao mesmo tempo ferramentas potentes e fontes de desgaste. A velocidade com que elogios e ataques circulam gera impactos profundos, muitas vezes invisíveis, mas que adoecem.
Tenho visto, com inquietação, pessoas boas reproduzirem práticas ruins, comprometendo a própria saúde mental e o sentido do ativismo. Como lembra Christian Miller, somos uma mistura complexa de bem e mal, e nosso comportamento depende em grande medida do contexto. Mas não podemos repetir as atitudes de nossos opositores – alegrar-se com a doença, desejar a morte ou vibrar com a dor dos outros é o caminho mais curto para nos tornarmos aquilo que combatemos. O ativismo precisa ser inclusivo, dialógico, cuidadoso, e não excludente ou vaidoso.
Sua militância é excludente ou inclusiva, é vaidosa ou dialógica?
Estamos atravessando um período turbulento no Brasil e no mundo, marcado por conservadorismos, fundamentalismos, fake news como estratégia política e perseguição a ONGs, ativistas e defensores/as de direitos humanos – em especial mulheres, negros, povos indígenas, população LGBTQIA+ e ambientalistas. Além disso, casos recentes como a erotização/adultização de crianças e adolescentes e a violência contra as mulheres, nos convidam, constantemente, a cuidar da saúde física e mental dessas pessoas, mas também de quem promove os cuidados.
Muitas ONGs têm se ocupado desses cuidados, como é o caso da Amma Psique, Ação Educativa, CAMTRA (Casa da Mulher Trabalhadora), Samaritano, Instituto Patrícia Galvão, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria) e Cedeca Interlagos.
Ainda convivemos com os efeitos de um projeto de poder recente, derrotado nas urnas, mas não superado em suas práticas de desmonte, ódio e violência. Esse cenário, somado às crises globais, agrava sentimentos como angústia, ansiedade e depressão entre ativistas, enfraquecendo sua potência de ação coletiva.
Um estudo da Phomenta (2023), realizado com 842 profissionais de ONGs em 214 cidades brasileiras, confirma essa realidade: 55% avaliam sua saúde mental como regular ou ruim. Ansiedade (77%) e exaustão física (64%) lideram os sintomas. As mulheres (60%) e, especialmente, mulheres negras e pardas (62%) aparecem mais impactadas, assim como jovens de 18 a 34 anos, entre os quais quase 70% relatam dificuldades. A sobrecarga de demandas e a falta de recursos são fatores centrais. Apesar disso, a motivação persiste: 71% se dizem engajados, e 87% já buscaram apoio psicológico. O recado é nítido: cuidar de quem cuida é essencial para a sustentabilidade das organizações e da sociedade civil.
Defendo, como psicólogo e ativista, que a saúde mental deve ocupar um lugar central em nossas práticas e debates. Não há como sustentar o compromisso com causas coletivas sem olhar para dentro, sem cultivar o autocuidado e reconhecer quando precisamos de ajuda. Isso pode começar em pequenas doses – 15 ou 30 minutos para descansar, comer bem, dormir melhor, organizar a rotina. Contar com redes de apoio, praticar a autoanálise e, sempre que possível, buscar acompanhamento psicológico são formas de alinhar autoestima e cuidado de si.
Como lembra Foucault, o cuidado de si não é autoajuda pronta, enlatada, mas uma filosofia de vida: um processo contínuo em que teoria e prática se entrelaçam, em que cada pessoa constrói seus próprios caminhos de bem-estar. É urgente que ativistas e organizações incorporem esse compromisso. Só assim seguiremos acreditando no poder do diálogo, tendo coragem de “esperançar” e de sonhar com o amanhã. Para transformar o mundo, é preciso também cuidar de quem o transforma.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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